sábado, 5 de setembro de 2009

Qualquer Estória em Qualquer Tempo em Qualquer Lugar

Era uma noite de lua cheia, tão cheia e inquiridora que não parecia lua, mas sim um olhar de ave de rapina, solitário, calculista e plácido, tudo ao mesmo tempo. As estrelas fugiam do brilho ofuscante do satélite natural terrestre, podendo só serem vistas a meio caminho entre o ápice celeste e o obscuro horizonte, que a oeste se terminava no mar distante e a leste penetrava num mundo insondável escondido por montanhas de pedras e de especulações. Aqueles que habitavam a margem oeste do rio furioso e silencioso, que trazia o encanto da serra, se perguntavam sobre o universo que haveria do outro lado das águas, que subia aos céus pelas encostas íngremes e se derramava entre picos e vales a perder de vista. Seria o inferno ou o céu que naquelas montanhas havia? O mundo dos nossos sonhos ali ocorria? Deus dali procedia?
Nas poucas gerações que se passaram naquele vilarejo esquecido pela história humana, sempre questionava-se o porquê de as águas do rio correrem sempre para o mar. Diante de vidas tão inconstantes marcadas por tragédias e glórias, os aldeões espantavam-se com a constância daquele curso hídrico cristalino que errava entre pedras e entre vilas de seres perdidos num mundo incerto e isolado. Naquela comunidade ribeirinha, imaginava-se que deveria haver vida humana em algum outro lugar, pois os urubus que para ali pairavam nos dias de céu azul e tórrido pareciam já ter um conhecimento prévio de como anunciar a morte, de forma que se achava que após levar a miséria a algum outro vilarejo ali estavam aquelas aves negras para disseminar um pavor silencioso que só acabava quando algum pobre coitado tinha seu cadáver cuidadosamente devorado por esses informantes da má-sorte. Não havia nenhuma evidência melhor de que haveria mais algum humano a viver por aquele mundo.
Agora, não viviam ali mais do que quarenta pobres almas, perdidas na incerteza geográfica e filosófica da existência. Ninguém havia pedido para nascer, não tendo ninguém qualquer plano para a vida. Simplesmente viviam, com a mesma contemplação monótona com que observavam o contínuo fluxo de água que se movia das montanhas para o mar. Aquela realidade sem sentido parecia um sonho inventado desde a primeira memória que vinha à mente, já que ninguém se lembrava do que ocorrera do nascimento até tal recordação. E, cada um com seu próprio sonho lúcido, passava os dias alheio aos outros aldeões, sendo que cada pessoa naquele lugar insólito no meio do nada parecia mais uma vila de um habitante só perdida num deserto insondável e inimaginavelmente distante de qualquer sinal de vida. Para cada situação, inventava-se um diálogo diferente, pois com o tempo não consumara-se um idioma naquele povoado. De acordo com as situações, as coisas ganhavam nomes diferentes, mudando também os seus valores. O próprio chão de terra e pedregulhos era uma coisa duvidosa, que em tempos de chuva era disputado a pedradas devido às plantas sem sabor mas que saciavam a fome que ali brotavam, enquanto em tempos de morte as famílias fugiam para as pedras mais altas ou para o interior de suas casas para evitar entrar em contato com aquela terra que era o berço final dos homens que ali tombavam e eram devorados por urubus, tendo seu corpo despedaçado e sua carne cadavérica misturada à poeira marrom seca e amarga. As coisas viviam num ciclo interminável de glória e desvalorização. As únicas coisas constantes naquele lugar eram a solidão dos seres, o isolamento do povoado e o curso do riacho.

(Continua de qualquer jeito em outro momento)