quinta-feira, 30 de dezembro de 2010


No parque há um banco feito de madeira
Que fica de frente para um lago
Passa o tempo e a madeira gasta
E o que o banco ouve o tempo não muda

Vidas que vem e que vão
E o banco apenas dá conforto
A quem esteja precisando ficar no parque de frente para o lago
Vidas que vem e que vão
O banco envelhece
Mas as pessoas são sempre as mesmas

O banco não é mais sábio por estar sempre ali
Mesmo com madeira envelhecida
Porque o ser humano se repete
Cada vez que senta ali para refletir
São as mesmas histórias

Tudo se repete
Mas sempre é tão intenso
O banco ouve a mesma história
Como se fosse a primeira vez

Hoje eu penso num amor perdido
Hoje é a minha história de amor perdido
Quantas antes neste banco não houve?
Mas é a minha história
E o banco é tão confortável como nunca antes fora

Milagroso? Não.
Minha história é de amor perdido
Perdido
Mas o banco fez com que essa história
Ficasse mais humana
Contemplando o lago sentado na madeira
Sinto a vida acontecendo

Sopra um vento muito leve
Fim de tarde chegando
Levanto-me
Apaixonado, rompido, esmagado
Mas humano
E o tempo passa
Quantas vezes vou voltar a esse banco?
Quem sabe pra pensar no amor
No absurdo da existência
E voltarão outras pessoas
Com sentimentos tão sinceros quanto os meus
Pra sentar no mesmo banco
E ver esse lago tão calmo
Tão indiferente e tão necessário
Para quem vive nesse mundo apaixonadamente livre e sem sentido

sábado, 4 de dezembro de 2010

Ao som de Leonard Cohen, alguns pensamentos

O mundo pode ser aparentemente tão externo. Apenas coisas de fora conduzindo o humor pelo revolto mar das emoções. Sempre fui tão preocupado em aproveitar cada raio do sol, cada céu estrelado e cada forma de arte, que, de tão belos, poderiam, pensava eu não muito conscientemente, completar cada espaço da minha vida. Nem tanta beleza foi capaz de suplantar um ser que existe dentro de mim. A natureza continua bela, mas os olhos são os meus. Não há uma regra ou um jeito certo para uma música ser ouvida ou para um livro ser lido. Cada felicidade ou tristeza que sinto são, essencialmente, de minha propriedade. E é uma propriedade aberta, sem cercas ou guardas. Assim, sinto-me tão mais próximo do universo. E mais perto de mim. Conheço-me, pelo menos um pouco. Sinto-me feliz comigo mesmo, olhando pelo campo afora e sabendo que sou eu quem olha.

E o que há de mais pessoal e capaz de ser espalhado por aí afora do que o amor? Sendo tão ausente de mim mesmo e vendo o mundo como uma paisagem puramente externa e com sentimentos prontos para serem sentidos, perguntei-me: como podem haver tantas músicas falando de amor? Sim, pois não sendo feliz e triste como naturalmente eu poderia ser, como eu poderia realmente entender o que é o amor? Fui feliz e triste como achei que deveria ser, e não amei. Hoje sou feliz e triste de uma forma indescritível. Sou feliz e triste pelo acaso. Sou feliz e triste como alguém que acorda pela manhã e não tem nenhum plano pela frente. Alguém que pode somente acordar – ou ficar deitado, se quiser – e continuar acordado para si mesmo e para o universo.

Hoje ouço as mesmas canções de amor que conheci antes. Mas sendo eu feliz e triste por uma estrada sem mapa, as canções, na essência, não são as mesmas. São revelações calmas e puramente sinceras, de quem faz as coisas com o livre arbítrio, ao qual somos condenados por simplesmente sermos seres sensíveis.

E o disco se repete. Minha salvação não é me livrar o ciclo de felicidade e sofrimento que faz girar a humanidade. Fazer isso seria fugir ao vazio. Sinto-me livre ao admitir a minha condição de humano. Não domino sentimentos, vivo-os. Vivo. Amo. Odeio. Sou paz e guerra em mim mesmo. Porque se eu for só (falsa) paz, minha guerra será com os outros – a história mostra isso.

Quero me perder em um céu estrelado com o peito pleno dos sentimentos que vivi e não ter medo de virar poeira estelar.

(Escrito ao som de Leonard Cohen)
05/dezembro/2010

domingo, 21 de novembro de 2010

Uma Tarde de Chuva

Uma tarde vazia. O ar denso anuncia que em breve cairá a chuva, levantando o vapor dessa terra aquecida nesses dias de tempo quente. Nuvens de quilômetros de altura, escalando para um céu cada vez mais profundo, encontram-se e fazem a atmosfera falar. Logo vem água. E a tarde segue vazia e silenciosa.

A casa é confortável e parece dormir. Sofás aconchegantes, uma sensação de paz e um rádio velho desligado. Um gato dormindo no chão, em frente a uma lareira apagada. Não há personagens, não há individualidade. Às vezes, toda história pessoal está suspensa, e só resta o que há ao redor. Sem pensamentos, sem ansiedade, sem felicidade. Nem mesmo indiferença. Não há nada exceto o instante de infinita calma e inexorabilidade no universo que agora acontece.

Corpo relaxado, atmosfera silenciosa, vento tênue e certo, que dança de acordo com o tempo da natureza. Vento relaxado, descansado, no tempo perfeito. Balança a árvore somente o suficiente pra me causar um peso no peito, de estupefação, para me lembrar que ainda estou ali. Mas logo me perco, serenamente.

As primeiras gotas, após um distante trovão. O gato esboça acordar, mas é levado mais uma vez ao transe por essa maré sossegada que começa a cair do céu. Água que escorre pela vidraça da sala. Na cozinha, o fogão desligado, com xícaras vazias e um bolo por comer, com a janela dando para um jardim ocupado somente pela natureza. Escorre a água. Limpa paredes, limpa janelas, limpa os seres. As gotas aumentam. É chuva forte. Poços de água na grama do jardim. A tarde fica mais escura. A consciência afunda em cada poça de água, que parecem profundas como o oceano pacífico.

Vem um vento, a chuva fica mais branda. A tarde fica mais clara. As janelas continuam com gotículas a escorrer. O ar é limpo. O mundo parece pronto para quem queira recomeçar. Dou conta de mim. Com tanta infinitude e profundidade, como posso simplesmente levantar e comer um bolo?Gestos automáticos tornam-se gestos tristes após momentos de tanta contemplação. Como posso tomar conta da minha própria vida? Começo a escrever de mim, a encontrar problemas novamente. Realmente, a chuva passou. Já ouço os barulhos do cotidiano.

Mas sempre volta a chover.

sábado, 3 de abril de 2010

Um dia de sol em um inverno

Em um dia de inverno eu comi uma bergamota debaixo de uma figueira, nos arredores de um sítio ao qual fomos, meus pais e eu. Ia lá pelos fins da infância, já sentindo saudade da inebriante beleza da direta natureza das coisas, que nos próximos anos aos poucos ia-se perder em questionamentos sem fim, que me fariam recordar a tarde em que comi aquela bergamota.

Tinha-se dado o almoço. Era domingo e tínhamos comido um churrasco. O sol mais dourado do que claro desses dias de inverno deixava a grama com um verde profundo, pois não batia assim tão forte como o faz no verão, de modo que podia-se olhar com muita placidez para as coisas, sem desviar os olhos. Iam na grama seres minúsculos, dos quais me recordo as formigas e os grilos, pois o que mais vi não encontrei depois, na minha educação, nomes correspondentes. Penso se não alucinei, ou se, na tentativa de tornar o mundo mais coerente e íntimo, não terminei por pensar que alucinei, deixando de considerar coisas que talvez ainda não tenham nome, mas que estão por aí. Recordo-me de fitar a grama, as flores, os gerivás e as araucárias, que ali abundavam. Hoje posso dizer que aquele céu de inverno era cor azul cobalto, o verde dos gerivás era verde-amarelado, enquanto das araucárias era verde-floresta. Porém, à época, só posso dizer que tudo aquilo era agradável, e que ir comer uma bergamota na sombra da figueira lá no alto da colina era a coisa mais inexorável que se possa imaginar, era uma coisa que ilustra a própria definição da palavra “inexorável”, de tão certo que era o ato. Se eu vier a escrever que toda essa cena, de alguma forma, dava sentido ao meu ser, saiba que não estarei sendo verdadeiro, porque um segundo vinha depois do outro, sem um porquê, sem eu precisar me certificar, pelas minhas emoções, que sou sensível e posso admirar e filosofar sobre o mundo. Apenas almocei, vi meus pais e seu casal de amigos irem sestear, olhei a natureza e me retirei para comer minha bergamota.

Lembrando-me daquele dia, fica-me na memória a imagem da figueira, que eu contemplava, escorado no seu tronco, com meus cabelos balançando com o vento que também sacudia levemente os ramos pendentes daquela árvore. Agora, aqui estou eu, o ser que viveu aquele dia, que viu aquela figueira, e que agora relembra, com suas ideias de homem adulto, tudo o que se passou naquela tarde de inverno. Termino por me perguntar: “está ainda lá aquela figueira?”. Imagino-a no alto da colina, recebendo os últimos raios de um pôr-do-sol, com uma sombra a perder-se de vista. Imagino com um olhar humano algo que nesse momento o olho não vê. Dói-me a sensação que dá de ver o vento brincar com aquelas folhas, de ver os pássaros ali se aninharem, pois fico a pensar que são tudo emoções e percepções humanas. O que há entre mim e a natureza? Entre o que sinto e o indefinido que me rodeia e no qual vivo?

Primeiro, vivia tudo com inocência e naturalidade. Após, encantava-me com os sentimentos profundos transmitidos pelo universo. Agora, desdenho minhas emoções, como inúteis diante da distância entre meu espírito e tudo o mais que há.

A figueira pode ter sido derrubada por alguém. Assim, ela certamente não estaria mais lá, todos haveríamos de concordar, pois da maldade humana ninguém dúvida. Contudo, não sendo esse o seu fim, como podemos ter a certeza de que lá está ela, derramando em todo arredor seus verdejantes ramos, quase tocando a terra de onde surgiu, como alguém querendo reencontrar suas origens? Como saber que lá cantam os pássaros aquele som que tanto encanta? Parece bobagem, e talvez seja mesmo, mas a sensação da profunda distância que as infinitas possibilidades da existência colocam entre mim e a figueira acusa que não é tanto devaneio pensar nisso. Vi-a na infância, agora vejo-a em memória, mas, eu existindo, e exisitindo a figueira, quem pode atestar sobre a verdadeira face da árvore? Se nem eu sei bem o que sou e o que penso, como posso eu definir uma figueira e uma natureza? Certamente, entre o que percebo e o universo, há tudo.

Não sei. Não sei. Não sei. Tudo é dúvida. Apenas penduro-me por um tênue galho de certeza (quando penso tê-la) a um tronco que não sei o que significa, ou mesmo se existe. Talvez todos sejamos incertos, como galhos quebrados de um tronco que nunca vimos, caindo em direção a algo que não sabemos, e vamos caindo, devagar, contemplando o que há ao redor e pensando sobre essas coisas da vida. Depois da queda, quem sabe, germinaremos, e voltaremos a quebrar e cair. Quem sabe. É tudo dúvida. Mas que seria eu se não especulasse? Se todas as possibilidades existem, por que não procurá-las? Sinto que a irrelevância e o absurdo da existência me deixam pensar sem culpa, sem regras. Deixo-me à vontade para olhar a figueira, para recordá-la, para relembrar o canto dos pássaros, sabendo que em algum ponto de tudo o que há no universo, está aquela tarde muito clara e limpa sob os ramos da figueira. Se o universo existe e me inclui, em algum lugar meus sentimentos são verdadeiros, e, diante do indefinido infinito, meus sentimentos, e o próprio universo, podem ser qualquer coisa.

“ (...) Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando (...)”

Fernando Pessoa, heterônimo Álvaro de Campos, Tabacaria

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Caminhando por aí

Sair à rua para caminhar, com ou sem finalidade, indo à faculdade, ao supermercado ou a lugar nenhum. Sempre fizemos isso ao longo da nossa história. Primeiro, caminhávamos atrás de alimentos ou até mesmo corríamos fugindo de predadores. Depois, caminhávamos cuidando da terra, buscando materiais para construirmos nossos monumentos e, às vezes, fazendo guerras. O tempo passou, e aí já andávamos seguindo um messias – alguns para venerá-lo e outros para matá-lo -, enquanto outros simplesmente caminhavam. Nossa história seguiu, e já caminhávamos entre feudos, sob ignorâncias, medos, maldições e doenças. Porém, alguns iam por outros caminhos, e nos fizeram andar por cidades prósperas, com novas idéias e sob menos controle. Mais alguns anos passaram, e aí homens de mundos distantes se encontravam, homens separados por oceanos, que tinham em comum, entre algumas coisas, o fato de caminharem pelos mais variados motivos. Infelizmente, a essa época muito andou-se lutando, dando uma finalidade mórbida ao universal ato de caminhar. Todavia, o mundo seguiu, e continuamos a andar por aí. Fomos às universidades, às igrejas, às fábricas, aos amigos, às montanhas, aos restaurantes, aos festivais musicais, às bibliotecas, ao museus, aos parques. Caminhamos pelo fundo do mar, pelo espaço e até mesmo pela lua. E é este mesmo caminhar que usamos para ir comprar um picolé no mercadinho da esquina. Desde que somos bípedes, sobre dois calejados pés sempre andamos. E quanta coisa passa pela nossa cabeça com um simples caminhar.
Quando escrevo isso, vem-me à mente o livro “Cem Dias Entre Céu e Mar”, do Amyr Klink, o primeiro homem a cruzar a remo o oceano atlântico. Simplesmente remar, ir adiante, por alguma coisa que nos impele, alguma coisa imprecisa que não definimos, mas que, sentimos, é algo muito importante do nosso ser. Por isso, falar que o homem primitivo andava somente atrás de abrigo e alimento é certamente uma atitude reducionista, pois estamos assim negligenciando nossa própria natureza, que é a de ir atrás de algo, indefinido, mas que não nos deixa parados. Quando penso sobre essa sensação indecifrável que chama à aventura, lembro-me de ler no livro “Ensaio Sobre a Cegueira”, do José Saramago, um trecho que fala sobre “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”. Assim, caminhando, remando, simplesmente saindo do lugar e vivendo guiado por um foco de luz indefinido, vacilante, mas perfeitamente perceptível, talvez seja esse o nosso modo de irmos de encontro a algo que imaginamos e sentimos ser o nosso próprio ser. Aliás, existe uma palavra que seja sinônimo para “ser” no sentido que estamos falando aqui? Olho no dicionário e vejo “consistir” como uma boa alternativa, mas incompleta, afinal quando eu falo sobre algo que “constitui o meu ser”, pareço estar me referindo apenas a uma parte de um todo, e não ao meu ser completo. Não, não me parece haver um sinônimo para “ser”. Isso indubitavelmente tem muitas implicações.
Nossa personalidade, diferentemente de algumas palavras, não pode ser substituída por outra sem perda de sentido. Por isso acho que a palavra “ser” no que se refere àquilo que somos naturalmente não encontra uma correspondente idêntica, de forma que qualquer substituição que por ventura venhamos a executar acabará distorcendo o produto final daquilo que desejamos expressar.
Agora, vamos supor que aquilo que somos fosse expressado por uma outra palavra, como, por exemplo, o nexo de contradição “mas”. Os nexos encontram equivalentes perfeitos, e essa palavra pode ser substituída por “porém”, “contudo”, “todavia” e “entretanto”. “Mas” parece-nos pueril, simples demais, sendo que até uma criança em alfabetização sabe usá-lo. Enquanto isso, “todavia” é um pouco mais rebuscado, começando a aparecer nas redações do ensino médio. Assim, se somos “mas”, podemos invejar quem é “todavia”, e assim buscamos ser um nexo menos comum e aparentemente mais respeitado. Usa-se esse recurso para escrever textos, buscando nexos variados e sinônimos ou expressões diferentes para enriquecer o texto. Porém, esse tema de buscar ser um sinônimo melhor não parece restrito à redação de textos. O ser humano parece pensar que existem alternativas que se encaixam perfeitamente no seu não muito bem-visto jeito de levar a vida. Quando digo não muito bem-visto, refiro-me à insatisfação com a própria vida, e quando falo sobre buscar sinônimos perfeitos, falo em buscar maneiras de se viver fora de si, maneiras não familiares a nós, mas bastante desejadas. Contudo, não somos um nexo, somos algo único, como a palavra “ser”. Negar a própria natureza buscando um sinônimo perfeito para algo que sequer encontra equivalente é como desarranjar essa palavra, tornando-a um anagrama, do qual podemos fazer surgir as palavras “rés” ou “rês”. A primeira significa “raso”; a segunda, denota qualquer animal quadrúpede que usamos na nossa alimentação. Claramente, isso encaixa-se perfeitamente a essa discussão. Buscando uma maneira de viver não-própria, não familiar à nossa própria história, é possível estabelecer um vínculo profundo com esse ser estranho? Logo, tornamo-nos rasos. É possível ser criativo ou original agindo de forma incongruente àquilo que somos? Assim, voltamos a engatinhar sobre quatro patas, servindo para qualquer interesse que não o nosso próprio, ou seja, tornamo-nos uma rês.
E o que pode ser mais humano do que caminhar e ir atrás do próprio ser? Assim caminhamos, de devaneios sobre o ato de andar ao longo da história até a busca e fuga do ser vista à luz da língua portuguesa. Sem uma linha perfeitamente traçada e uma introdução delineando todo o tema abordado fomos adiante, rumo a qualquer coisa, simplesmente andando entre palavras e pensamentos. Andar sem rumo ou ideal e pensar com associações livres parece, a mim, algo que se aproxima muito da liberdade humana.