tag:blogger.com,1999:blog-84881425991310654832024-02-20T17:16:25.137-08:00Uma História PessoalHenrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.comBlogger17125tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-91791446844997489462011-10-09T18:01:00.000-07:002011-10-09T18:56:19.060-07:00Noite para Sorrir e Chorar<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjR_RwFV1kLbBdRZ1gcYMAN3JB9wZ-jRpmbrrfXFYxwuJE9yi5R_OcyUEAbE3bX2egvtDmLx3G2OqtFslHOxTSLZgAyL0wRxjJJ_E09pSBTD5xQ7doCfGFdPs5uppQKZ3kmZVecD3Hj-8o/s1600/IMG_0054.JPG"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 240px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjR_RwFV1kLbBdRZ1gcYMAN3JB9wZ-jRpmbrrfXFYxwuJE9yi5R_OcyUEAbE3bX2egvtDmLx3G2OqtFslHOxTSLZgAyL0wRxjJJ_E09pSBTD5xQ7doCfGFdPs5uppQKZ3kmZVecD3Hj-8o/s320/IMG_0054.JPG" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5661662790493651714" /></a><br /><br /> Hoje a noite é tão agradável que penso em escrever sobre ela. Dia de primavera, sol convidativo, vento fresco, nuvens carregadas se preparando de mansinho e, então, uma chuva muito calma, só pra limpar o domingo. E, agora, a noite. Silenciosa, misteriosa. Tudo como se estivesse pra acontecer uma grande revelação, mas tudo permanece suspenso em dúvida, serena dúvida. Abro as janelas, deixo a escuridão entrar. Do som, como que vagando ao acaso pelo vazio do universo, vem o violão e a voz de Leonard Cohen. O ventilador roda cansado, parecendo afetado pelo calor. <br /><br /> Antes estava caminhando e pensei mais sentindo do que propriamente pensando: o que é uma noite e o que é uma noite? Nem sempre é igual para mim e pra cada um é sempre tão diferente. Pela cidade, nos edifícios brilham luzes de televisão pelas janelas que vislumbro da rua deserta. O final de semana acabou – será que os sonhos se realizaram? Repito: o que é uma noite e o que é uma noite? Passo por alguém que, como eu, parece levado somente por esse vento que sopra tão profeticamente, e penso: como está sendo essa noite para esse aí? Olho para uma casa de jardim bem cuidado, com casinha de cachorro e gnomos de jardim (se fosse Natal estaria ela certamente cintilando de luzes e com o presépio bem aprontado) e penso: como está sendo essa noite para esses que vivem ali? Passo por um mendigo dormindo no banco da praça, deitado sobre papelões que outrora guardaram uma cobiçada televisão de polegadas a perder de vista e que agora dão abrigo a esse corpo tão pouco desejado e em que polegadas de nada servem para medir o sofrimento e a miséria, passo por ele e penso: como está sendo a noite para esse aí? E para mim: como está sendo essa noite? Está ventando, está quente e a cidade está vazia. Mas e aí? Como eu disse: o que é uma noite e o que é uma noite?<br /><br /> Sinto pelo ar a tristeza que a essas horas aparece no domingo. Não, não estou triste – pelo menos não com a angústia dominical. Apenas estou sentindo que se faz presente por aí, em alguns muitos corações, a melancolia que vem num domingo em que choveu e em que o tempo é abafado. A semana deve ter sido tão árdua pra tanta gente. De segunda à sexta o “eu” de cada um deve ter sido tão esquecido em prol dos deveres que às vezes nem sabemos por que temos – sei disso, pois muitas vezes já me senti assim. Tudo aquilo que o espírito anseia, toda a solução dos questionamentos, toda a distância entre o “eu” que atua e entre o “eu” que é, tudo é jogado para o final de semana, esperando uma redenção. Aí vem a noite de domingo, sempre implacável, peguntando: o que você fez com a sua vida? E é a vergonha e a falta de esperança em si que domina a audiência dos programas de auditório. Assim, o Fantástico termina sendo o “show da vida”. O show está na televisão, fora de nós. Somos espectadores de uma realidade em que gostaríamos de sentirmos como nossa - não como posse, mas como companheira. <br /><br /> Sei ser profeta, sei do seu destino e de todos os demais: sei que morrerá. Admitamos: há alguma mentira nisso? É mais certa a morte do que o amor de mãe. Só que com tanta melancolia no domingo, com tanto “show da vida” na televisão, com tantas esperanças de satisfação do ego na internet, a morte, tão amiga da realidade, vira a “tragédia da vida”, só que essa não aparece só no domingo à noite. Vem a qualquer hora. O pior é que nisso ainda me sinto enclausurado. Não pense que tenho o privilégio de aceitar o final do meu ser. Não é fácil mesmo, mas é por isso que caminho nessa noite, sendo carregado pelo vento, tão real como esse calor que me faz suar e desejar um banho de cachoeira com a mulher que eu amo – bem melhor que desejar um ar condicionado, né? É por isso que caminho tanto. É por isso que sinto amor e saudade. É por isso que sofro até chorar aquilo que penso ser a última gota – mas sempre vem mais. <br /><br /> E, caminhando, vejo essas pessoas, essas ruas vazias, essas casas tão arrumadas por fora, esses edifícios recheados de angústia. Como serão as outras pessoas? Eu queria saber. Sei muito bem que não sou o único apavorado com o fato de viver e de existir – pelo contrário, meus questionamentos podem ser até pueris para alguns, mas são meus questionamentos. Eu queria encontrar mais companheiros nessa caminhada noturna. Mas a cidade está vazia. Todos recolhidos em seus apartamentos. Alguns recolhidos conscientes de si; muitos recolhidos ausentes de si. Já deu pra entender o porquê da minha dúvida: o que é uma noite e o que é uma noite? Ou então, do mesmo modo: o que sou eu e o que são os outros? Repito: por isso caminho. Por isso amo a implacável pergunta das noites de domingo: como anda a sua vida, meu amigo? <br /><br /> Agora estou em casa, curtindo meus próprios devaneios. Há prazer em ter dúvida. Há até um certo orgulho em ter confiança no acaso. Gostaria de sempre ser assim, mas não se engane, porque minha tristeza é grande. Só que acho que é tristeza minha, tristeza amiga, posso dizer. Até desesperadora, às vezes, mas amiga, sim! Assim, encanto-me com o ventilador fadigado, com o Leonard Cohen – tão sentimental -, com a minha própria vida incerta, com a minha morte certa. Encanto-me por estar apaixonado por uma mulher, amando-a por inteiro, como pedia o Vinícius de Moraes. Nessas horas me dou conta que isso sou eu e esse é o universo. Nessa noite tão agradável vejo minha vida, meu amor, meu sofrimento e minha morte.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-7737217508306210282011-09-27T07:20:00.000-07:002011-09-28T14:46:50.933-07:00A distância entre sentir e pensar. A distância da saudade.<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMRThyphenhyphenS7yXqq_XoPWmD8z24ymmPlcE7T4p8NDjRa8bOousTuNrEYIAfoCPyu5sBboARiiPu1hoyuEJoXeuSJdSFDPmFlgH59rr-FqEyOc-tig4od-L6oQhuhELE9F-S5EB7oLNeLRU9lw/s1600/DSC02147.JPG"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 240px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMRThyphenhyphenS7yXqq_XoPWmD8z24ymmPlcE7T4p8NDjRa8bOousTuNrEYIAfoCPyu5sBboARiiPu1hoyuEJoXeuSJdSFDPmFlgH59rr-FqEyOc-tig4od-L6oQhuhELE9F-S5EB7oLNeLRU9lw/s320/DSC02147.JPG" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5657045736977477730" /></a><br />“O poeta é um fingidor<br />Finge tão completamente<br />Que chega a fingir que é dor<br />A dor que deveras sente...”<br />Autopsicografia, Fernando Pessoa<br /><br /> Por muito tempo passei meus olhos sobre esse trecho desse poema pensando entendê-lo. Hoje, penso que não compreendia-o profundamente. O que é a dor do poeta? Por que fingi-la?<br /> A dor e a expressão dessa dor. O sentimento e a expressão do sentimento. São dois extremos separados pelo nebuloso e encantador universo das emoções. Talvez a subjetividade de um sofrimento ou de um amor seja tão esmagadora frente à sua racionalização que o poeta termine por se sentir um fingidor, tal como Fernando Pessoa nos conta. Por mais aguçada que seja nossa percepção artística e nossa criatividade, estamos sempre correndo atrás do coração, tentando reproduzir para nós mesmos a avalanche sentimental que ocorre nas quase impenetráveis cordilheiras do nosso espírito. Mas, no fim, o fingimento do poeta nasce da mais pura e genuína emoção. Nasce do amor, da dor, da saudade. Nasce da sensação de ter tudo para dizer e não conseguir falar tudo o que se gostaria e tudo o que se sente. Não é um fingimento propriamente dito. Antes, é tentativa de aproximação com o nosso íntimo. Porém, que nunca se dá da forma mais clara possível, sem deixar dúvidas racionais. No fim é isso: estamos apenas racionalizando o que dentro de nós se dá de maneira totalmente irracional. <br /> Hoje, eu penso na saudade. Ah, a saudade... Bem inestimável da língua portuguesa. Mas o que é a palavra escrita e o significado dela? Não, não falo sobre o que está no dicionário da língua culta. Falo do dicionário da vida. E a diferença entre esses dois nos remete àquela separação entre intenção e gesto, entre sentir e escrever. O que realmente significa sentir saudade? Para algumas pessoas há um momento na vida em que as palavras trazem seus próprios <span style="font-style:italic;">insights</span>. De repente, algumas letras ordenadas de forma a produzir um som reconhecível em um dado meio cultural tocam nosso espírito como se fossem materializações dos nossos sentimentos. Assim me senti quando percebi estar com saudade. Genuína saudade. Essa palavra, de alguma forma, conseguiu traduzir meu amor, minha dor e uma sensação de vazio e de ausência que permeava todo o meu ser. Fiquei orgulhoso de trazer essa palavra para dentro de mim, como coisa íntima minha. Conheço há tanto tempo essas letras dispostas dessa forma, mas pela primeira vez vi além delas. Claro, só ela não preenche o quadro de tudo o que se passa em mim. Há muito espaço em branco nesse quadro. Um vazio ativo, em que tudo acontece, mas que não consegue encontrar meio de ser exposto. Contudo, entender a palavra “saudade” me ajudou a entender o que se passa. Saudade vai muito além do sentir falta. Saudade nos remete ao passado, trazendo as mais amáveis lembranças. Saudade nos lança para planos futuros, para momentos em que essa dor não nos tocará mais. Saudade traz medo de não ter mais por quem sentir toda essa saudade, o que nos traz toda a dor desse sentimento. Saudade faz a vida valer a pena. Saudade faz a vida ser intensa. Essa palavra traz amor, vazio, solidão, bem-querer, medo de perda e faz o tempo passar devagar. Pra quem fica, saudade dói e a distância é maior. Pra quem vai, eu não digo nada, porque saudade é sentimento, e sentimento é coisa pessoal. <br /> E, escrevendo isso, talvez eu me sinta um fingidor, como o Fernando Pessoa. Não por estar dissimulando sentimentos. Não, pelo contrário até! Talvez eu seja um fingidor apenas porque estou terminando esse texto e sinto que não consegui passar quase nada da imensa saudade que sinto. Mas ela existe! Minha saudade é tudo isso e muito mais. Minha saudade mora longe, mas vive intensamente dentro de mim. Minha saudade tem endereço. Mora em Sevilla.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-91035184419235042332011-04-20T00:44:00.000-07:002011-04-19T20:51:39.445-07:00Papel em Branco<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIywTcaYgKliSoUv4AnPaKQdwbTIA5UbfUrUuYEedWSA6eHvGt3paKVGkL41SZ0UwZuvyfybYXXFjuSQJ53ZLKyDVkuXzBhvBCxIS2ZWEoQzy6DZtDBSvd-BJZ_2WEeh-HuxgMOa0MduY/s1600/Folha+de+papel+em+branco.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 222px; height: 280px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIywTcaYgKliSoUv4AnPaKQdwbTIA5UbfUrUuYEedWSA6eHvGt3paKVGkL41SZ0UwZuvyfybYXXFjuSQJ53ZLKyDVkuXzBhvBCxIS2ZWEoQzy6DZtDBSvd-BJZ_2WEeh-HuxgMOa0MduY/s320/Folha+de+papel+em+branco.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5597506338889159314" /></a><br />Escrever, penso, tem o potencial de ser uma auto-análise. Verbalizar dúvidas e sentimentos e evoluir frase a frase em um pensamento terminam, de alguma forma, por nos aproximar de algo que não definimos bem o que é, mas que claramente nos deixa mais íntimos de nossas tragédias e felicidades. Porém, hoje, tive uma ideia um pouco diferente sobre a escrita e a terapia. Ei-la: não é necessário chegar ao texto consumado, bastando, para a terapêutica da mente, o papel em branco em frente aos olhos. <br /> Essas linhas em branco, flexíveis a qualquer pensamento, desprovidas de julgamento, que ganham vida a cada nova letra ali inserida, são a porta de entrada à nossa auto-percepção. Hoje quis escrever, sem saber exatamente o quê. Para ser sincero, não fazia a menor ideia de qual assunto abordar. Apenas queria pensar e passar isso às palavras. Porém, como sempre, entre mim e o texto elaborado, surgiu, antes que qualquer temática surgisse em minha mente, aquela folha branca. Inicialmente, pareceu-me um pouco intimidadora. Ver esse papel vazio e perceber que minha mente não tinha nenhum mísero assunto para explorar causaram-me, num primeiro momento, uma perplexidade ante a dissociação entre a vontade de escrever e a total falta de um plano ou, quem sabe, talento para tal. É como ser criança e se estar louco para jogar futebol, tendo à frente um gramado perfeito, mas, contudo, não há bola para ser chutada. E ali fica o gramado, vazio, servindo só para que os olhos das crianças fiquem a imaginar jogadas inimagináveis. É o palco para a fantasia, para o desabrochar dos mais sinceros sonhos e vontades. E eu aqui, com a folha em branco, mas sem um tópico. Aqui, o palco é o papel. Palco para mim, para os meus devaneios. De repente, a música vai rolando, a madrugada vai chegando, a noite vai silenciando, e aquela folha vazia fica cheia de vida e sentido. Quando dou-me conta, está acontecendo a minha auto-análise. Bastou aquele papel baldio para um fluxo de pensamentos iniciasse a sua errática trajetória. Apenas pensamentos, sem uma finalidade definida, que, se primeiramente queriam ser direcionados para a palavra escrita, terminaram por não ser mais do que simples pensamentos. <br /> O texto terminado e coeso não é mais do que uma consequência, o resultado de se ter um gramado receptivo às nossas mais íntimas fantasias de jogadas de craque. A melhor sensação que resulta disso tudo é que simplesmente tive abertura para dar uma circulada entre a minha complicada e misteriosa cabeça. Tudo acontece, antes de tudo, com a folha em branco, com aquele momento que antecede a decisão, quando qualquer coisa pode passar pela mente. E o papel vazio é o convite para a reflexão, para que saiamos do coma e da automaticidade dos afazeres diários para adentrar nos insondáveis e improváveis caminhos do espírito.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-45886571217567085912011-04-18T17:00:00.000-07:002011-04-19T15:10:08.391-07:00Como anda a vida?<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5zWc4lRM_N0XMvQhrr2Ok_GTQ11I9SI8kvfFIfwBu-I6ZilzzUahO8ZkNJMQPNqGt0SZgT6GPNmxpMu8yCFM_tTAfNKwRzketXKSv-mpjMzcmnCDx8pOcLZlnyJ2_ZwCe3NOdfPWwYHw/s1600/bela-imagem-de-buda.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 268px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5zWc4lRM_N0XMvQhrr2Ok_GTQ11I9SI8kvfFIfwBu-I6ZilzzUahO8ZkNJMQPNqGt0SZgT6GPNmxpMu8yCFM_tTAfNKwRzketXKSv-mpjMzcmnCDx8pOcLZlnyJ2_ZwCe3NOdfPWwYHw/s320/bela-imagem-de-buda.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5597079003415689490" /></a><br /> Na maior parte do tempo, a vida passa de forma tão despercebida que parece que não temos nenhuma ação sobre o desenrolar dos fatos. Aí, de repente, nos damos conta do óbvio: as coisas estão acontecendo. Ou, num tom mais pessimista, mas chegando ao mesmo fim: a morte inevitavelmente vai acontecer. Tanto faz a abordagem, o que quero dizer é que levamos quase um susto quando nasce a percepção da passagem do tempo. Então vem a questão, que, infelizmente, acho que nem todos enxergam: tem valido a pena esse tempo? Ou, pelo menos, está ele sendo razoavelmente bem vivido?<br /> A questão de aproveitar a própria vida fez crescer, no transcorrer da história da humanidade, definições daquilo que seria uma vida virtuosa. Penso que o fim de boa parte das religiões é estabelecer um caminho mais ou menos racionalizado para que almas teoricamente perdidas possam alcançar algum tipo de redenção espiritual, muitas vezes difícil de ser atingido pelo meio individual. Daí nascem as privações, os rituais, a moralidade, a noção de certo e de errado, a dualidade do bem o do mal. Culturas particulares criam meios próprios para estabelecer dentro do seu meio o que caracteriza uma vida que vale a pena ser vivida. Dentro de algumas religiões, como a católica, encontramos uma ideia de buscar uma vida virtuosa para um observador, no caso, Deus. Penso que, consequentemente, perde-se aquilo que é de maior valor quando buscamos a satisfação com nossa própria história, que é justamente a auto-crítica. Vive-se de acordo com a própria liberdade ou para um observador externo que, como um pai, aprova ou não os nossos atos? Não é a por acaso que nasce uma nova sensação de bem-estar e novo auto-conhecimento quando saímos dos nossos tenros lares para morarmos sozinhos em uma cidade distante. Semelhantemente, quem sabe contar e recontar a própria história sem um “editor” dando pareceres sobre o nosso roteiro não possa desencadear uma sensação parecida com essa do adeus ao âmago familiar? Isso não implica, penso eu, na descrença em relação a Deus ou o quer que seja. É apenas a mudança da visão de um universo opressor e julgador para uma vivência em que temos participação nos acontecimentos. Mais do que isso, uma vivência em que nos sentimos ligados à complexa teia da existência. <br /> Das definições acerca do que seria uma vida vivida cheia de plenitude a satisfação gosto daquela escrita pelo filósofo e matemático inglês Bertrand Russell, que assim escreveu: <span style="font-weight:bold;">“uma vida virtuosa é aquela inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento”</span>. Amor e conhecimento, duas coisas muito pessoais, capazes de serem alcançadas em maior intensidade somente com a sinceridade em relação aos próprios sentimentos. Inevitavelmente, para uma vida inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento, precisamos de auto-consciência. Precisamos de abertura para as emoções e de liberdade de pensamento, algo difícil de ser atingido com aquele ideal de buscar a redenção perante algum deus.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-9773042880529972272011-02-08T11:32:00.001-08:002011-02-08T11:51:26.924-08:00Poema da Distância<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgILKk3qfQn3tiJ18EnHJ_mnFw-Yq1rbCCfO1DpD-q1TjZ43ehMiVpmbrK_66Y0ueqEqejGRuiUgk1BJU6g7L5K_f5F_fWpulqj85kmJudbSuUHQmbgyE59ypXboiv4qdFzjWWTtqpS_20/s1600/Tree+in+Field.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgILKk3qfQn3tiJ18EnHJ_mnFw-Yq1rbCCfO1DpD-q1TjZ43ehMiVpmbrK_66Y0ueqEqejGRuiUgk1BJU6g7L5K_f5F_fWpulqj85kmJudbSuUHQmbgyE59ypXboiv4qdFzjWWTtqpS_20/s320/Tree+in+Field.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5571404033930627778" /></a><br /><br />As coisas que sinto e as palavras que saem da boca<br />São como um céu com nuvens carregadas<br />Que sabia que precisava fazer chover<br />Mas passou de maneira silenciosa por esse lugar.<br />E as palavras certas<br />Como a chuva certa<br />Não jorram<br />E passam flutuando por entre a névoa dentro de mim.<br /><br />Estou olhando o campo<br />E ao longe vejo uma árvore<br />Menos distante do que minha voz<br />Separada da minha alma.<br />Até a árvore posso caminhar<br />Sigo em linha reta pela pastagem<br />Mas para encontrar o que sinto<br />Não encontro trilha tão óbvia.<br /><br />Não é um campo que me separa<br />Não são passos que preciso dar<br />A distância não pode ser medida<br />Não pode ser percorrida<br />Mas pode ser sentida.<br />E há um belo e profundo mundo ao redor<br />Pessoas, natureza, tristeza, amor<br />Tenho vontade de dizer o quanto gosto do que gosto<br />Tenho vontade de dizer o quanto me afeto pela tristeza<br />E por mais que tente chegar nessa ponto<br />A palavra sai sempre menor do que aquilo que ela representa.<br /><br />Não são essas palavras aqui<br />Mais do que uma tentativa<br />De eu tentar me abrir plenamente para o que amo<br />De eu tentar chegar no porquê da minha angústia.<br />São incertas essas palavras <br />Tortas como esses galhos da árvore que antes eu contemplava de longe<br />E que agora vejo de muito perto.<br />Caminhei até aqui.<br />Pelo menos fica o testemunho escrito<br />Do meu caso de amor com tanta coisa nesse mundo<br />E da minha tristeza também (porque ela também há)<br />E das palavras que faltam pra eu dizer isso.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-12650942929609344842011-01-25T18:03:00.000-08:002011-01-25T19:59:18.850-08:00Vento das OnzeO relógio vai se aproximando da meia noite e a rua já está completamente silenciosa – de barulhos humanos. Apenas o vento quente que sopra a essas horas do dia faz as folhas das árvores farfalharem. Eu, sozinho, deitado em meu sofá, apenas com um abajur de luz amarela aceso, lentamente absorvendo um encantador vinho tinto enquanto sinto o regozijo mais do que justo de quem acabou de ouvir “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin, e sentiu a música em sua plenitude. Agora, o silêncio – da alma. O barulho do vento só empurra a mente cotidiana para mais longe, não sendo exatamente um som em si. Antes, apenas suspende o dia-a-dia ordinário, varrendo-o para um lugar distante, fazendo brotar em mim a serenidade de um espírito vazio e cheio de contemplação por esse momento nessa noite calma. <br />De repente, uma pergunta: como foi o primeiro vento? Em que planície, montanha ou deserto ocorreu? O que mudou? Já existiam planícies, montanhas ou desertos quando o primeiro vento soprou? Já havia algo para ser mudado?<br />Sinto um peso no peito. Que pergunta simples, triste e, ao mesmo tempo, maravilhosa! Simples pelo vento que sempre vem, triste pela solidão de soprar no vazio e maravilhosa por levar tudo ao desconhecido. Não sei as respostas para tais perguntas, mas, estando com a mente suspensa nesta noite incerta, ofereço-me o direito da imaginação. <br />Não consigo definir exatamente quem sou, o que penso e o que virei a ser. Porém, poder imaginar como foi o primeiro vento faz com que essas perguntas não tenham muita importância. Sinto que estou aqui deitado nessa noite de verão pelo mesmo motivo que o primeiro vento soprou: para ir até qualquer coisa. Essa incerteza, que pode ser chamada de liberdade, deixa-me imaginar como foi o primeiro vento, e deixa-me ficar tranquilo por não ter uma resposta sobre qual é o meu caminho.<br />Não sei como essa noite vai terminar. Por hora, estou apenas deitado. E assim vou ficar mais um pouquinho. A maior verdade sobre mim é que não há verdade dita ou pensada sobre mim. E, por vezes, eu mesmo tento alguma definição ao meu respeito, mas então vejo que isso é puro medo. Nesses momentos, estou apenas tentando ser alguma coisa qualquer quando me deparo com as infinitas possibilidades de ser e de sentir qualquer coisa, tentando ser algo estático, definido e eterno, que ilusoriamente me pouparia da angústia e do amor absurdamente grandiosos que permeiam o universo. E, quando estou deitado, sereno e em paz, sinto-me completo não sendo necessariamente alguma coisa que eu penso ser. Sinto-me capaz para ser levado para qualquer lugar.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-21351943325780240522011-01-11T08:46:00.000-08:002011-01-11T08:57:38.716-08:00Fluxo<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjN1I_bK59IyAjsHbOJ9vgLsR_1eCYeT-5NjqX0ztbeuwQ-Zp2_6Xh8GG2XJfPyEKflDorQt9oW7Ihwe8iSWgGOYEVKkkKoLEfogk6hgXlYaOZ5_rg9LmAP3R7EHbwegOBhc-Gsfl39jbg/s1600/dali.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjN1I_bK59IyAjsHbOJ9vgLsR_1eCYeT-5NjqX0ztbeuwQ-Zp2_6Xh8GG2XJfPyEKflDorQt9oW7Ihwe8iSWgGOYEVKkkKoLEfogk6hgXlYaOZ5_rg9LmAP3R7EHbwegOBhc-Gsfl39jbg/s320/dali.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5560973553015073330" /></a><br /><span style="font-style:italic;">Escrevi o texto abaixo num momento de muito bem estar interior, num momento em que não tinha nada pra reclamar. Então, eu escrevi qualquer coisa para ver o que iria acontecer. Acabei falando sobre o fluxo das emoções por um método de fluxo de pensamento. Então, às vezes há uma mudança um pouco brusca de abordagem de um parágrafo para o outro (afinal, o pensamento não é linear). Espero que, pelo menos, seja compreensível...</span><br />_______________________________<br /><br /><br />E quando não se tem nada a dizer? E quando tudo parece resolvido?<br /><br />A tristeza, a solidão, a indignação e, sobretudo, a subjetividade são quem suportam, muitas vezes, a criação artística. Não são sentimentos desesperadores, mas poderiam sê-lo se não fossem extravasados pela literatura ou pela música, por exemplo. Expô-los misturados à arte torna-os contemplativos e naturais, à medida que a internalização dessas questões pode trazer o isolamento, que consigo traz a paranoia e a ausência de resolução desses sentimentos. <br />Mas quem sente essas coisas, por certos momentos também se sente feliz, completo e satisfeito até com as pequenas coisas da vida. Sentir-se triste ou feliz em um campo da vida tem um efeito dominó em todo o resto, de forma que não é incomum convivermos ou com o desamparo ou com a mais completa satisfação e segurança na própria vida. Se tudo está complicado e tende-se ao isolamento, o refúgio artístico nos liga novamente ao mundo e à segurança do próprio ser. Se tudo está bem, parece que nos inclinamos a simplesmente ouvir um bom som, tomar um vinho apreciável e se deliciar com tudo o que está ao redor. A vida flutua entre esses dois estados de espírito, de forma tão natural como um pescador que sobe o rio para pescar e que naturalmente deverá descer a correnteza para reencontrar sua casa e sua família. Porém, esse pescador pode sofrer um acidente de percurso. Por exemplo, e se o barco virar? <br />Às vezes, ficamos enclausurados em algum tipo de humor. A tristeza nos prende contra a vontade. Da (suposta) felicidade não queremos fugir. Mas por que coloco sob suspeita a mais convicta sensação de bem estar? Justamente por muitas vezes felicidade não significar felicidade em si, mas, sim, antes significa abdicar do risco de ser plenamente feliz para não correr o risco de passar por algum momento de tristeza. Por isso, estar enclausurado na “felicidade” pode ser uma coisa pouco desejável. E, por isso também, levar porrada da vida algumas vezes não é de todo indesejável. Só quem não aceita o inevitável fluxo das emoções pode pensar que estou fazendo propaganda em favor de sentimentos de melancolia (quem sabe eu esteja sendo pago por uma indústria farmacêutica que faz remédios anti-depressivos...). Existe diagnóstico psiquiátrico pra depressão. Às vezes, eu acho que deveria existir diagnóstico também para aqueles que dizem que são sempre felizes e que tudo é sempre perfeito em suas vidas. <br />Fernando Pessoa, ao escrever “Poema em Linha Reta”, iniciou o poema da seguinte forma:<br /><br />“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.<br />Todos os meus conhecidos têm sido campões em tudo.”<br /><br />Mas o que define alguém como “campeão”? Admiração, sucesso profissional, riqueza, uma mulher linda? Não cabe julgar os caminhos da felicidade de cada um, mas, no geral, buscamos, através dos mais variados meios, uma sensação de plenitude, uma sensação que se aproxime daquilo que vagamente definimos como felicidade. Então, se o que, no final, buscamos é um sentimento, acho que o maior campeão é aquele que é minimamente sincero e conhece pelo menos um pouco os misteriosos caminhos das próprias emoções. Por isso, para mim, o campeão verdadeiro é o Fernando Pessoa, que, a despeito de tanta porrada, escreveu “Poema em Linha Reta”, entre tantos outros.<br />Tem um ditado alemão, muito duro até, que diz o seguinte:<br /><br />“Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho”.<br /><br />Precisa dizer mais alguma coisa? Sim, as cordas vocais de quem criou esse ditado devem ter esquecido como se faz o som da palavra “amor”, mas obviamente quem faz muita questão de ser percebido e de ter sua suposta felicidade anunciada aos quatro ventos seguramente tem pouca intimidade com as bases que fundamentam essa emoção. <br />A questão que se impõe é se vale a pena corrermos o risco de conviver com a melancolia ou se a estabilidade (acho que, neste caso, é um termo melhor do que “felicidade”) deve ser mantida para evitarmos a tristeza? Acho que quem lê isso pode ter a sensação de ter respostas óbvias para essa questão (e acho que para os dois lados). Para alguns, todo sentimento de infelicidade é primariamente inadequado; para outros, a tristeza é um caminho natural para quem persegue o bem estar de espírito. <br />Para mim, fugir das “porradas” da vida não implica em abandonar o sofrimento. Quem tenta isso, penso eu, torna-se menos íntimo de si. Apesar de buscar a felicidade, não acho que fugir da tristeza seja um bom meio para isso. Também deliberadamente buscar a melancolia não acho particularmente uma atitude louvável. Agora que termino de escrever isso aqui começa a tocar no som “No Expectations”, dos Rolling Stones. <br /><br />“Take me to the station <br />And put me on a train <br />I've got no expectations <br />To pass through here again <br /><br />Once I was a rich man and <br />Now I am so poor <br />But never in my sweet short life <br />Have I felt like this before...”<br /><br />Acho que é um bom final. Sem muitos planos sólidos e determinantes da nossa felicidade. Apenas no subir e descer do pescador. Um dia o barco acaba inevitavelmente virando. Enquanto isso, a paisagem é rica, o rio é desconhecidamente profundo, as margens são incompletamente exploradas. Navegar de uma só forma exclui o rio da riqueza da paisagem.<br /><br />http://www.youtube.com/results?search_query=no%20expectations&search=Search&sa=X&oi=spell&resnum=0&spell=1<br />Link para a música "No Expectations", dos Rolling Stones...Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-47049978722065889022010-12-30T11:09:00.000-08:002010-12-30T11:10:59.188-08:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLktbRvdlw0KcIj230Fg1tc2vfYJ9eZoNGE7cw5E2az2kSq-tvSL1pwEkxbzwMiWARZ966aPZPcwHQK0NA49N_cw9G3Xz_jjoOvLdhLOy69-_myPWmHje4xKADVSGAHs1nIuemPakx77g/s1600/foto+parque.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLktbRvdlw0KcIj230Fg1tc2vfYJ9eZoNGE7cw5E2az2kSq-tvSL1pwEkxbzwMiWARZ966aPZPcwHQK0NA49N_cw9G3Xz_jjoOvLdhLOy69-_myPWmHje4xKADVSGAHs1nIuemPakx77g/s320/foto+parque.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5556554726850761730" /></a><br />No parque há um banco feito de madeira<br />Que fica de frente para um lago<br />Passa o tempo e a madeira gasta<br />E o que o banco ouve o tempo não muda<br /><br />Vidas que vem e que vão<br />E o banco apenas dá conforto<br />A quem esteja precisando ficar no parque de frente para o lago<br />Vidas que vem e que vão<br />O banco envelhece<br />Mas as pessoas são sempre as mesmas<br /><br />O banco não é mais sábio por estar sempre ali<br />Mesmo com madeira envelhecida<br />Porque o ser humano se repete<br />Cada vez que senta ali para refletir<br />São as mesmas histórias<br /><br />Tudo se repete<br />Mas sempre é tão intenso<br />O banco ouve a mesma história<br />Como se fosse a primeira vez<br /><br />Hoje eu penso num amor perdido<br />Hoje é a minha história de amor perdido<br />Quantas antes neste banco não houve?<br />Mas é a minha história<br />E o banco é tão confortável como nunca antes fora<br /><br />Milagroso? Não.<br />Minha história é de amor perdido<br />Perdido<br />Mas o banco fez com que essa história<br />Ficasse mais humana<br />Contemplando o lago sentado na madeira<br />Sinto a vida acontecendo<br /><br />Sopra um vento muito leve<br />Fim de tarde chegando<br />Levanto-me<br />Apaixonado, rompido, esmagado<br />Mas humano<br />E o tempo passa<br />Quantas vezes vou voltar a esse banco?<br />Quem sabe pra pensar no amor<br />No absurdo da existência<br />E voltarão outras pessoas<br />Com sentimentos tão sinceros quanto os meus<br />Pra sentar no mesmo banco<br />E ver esse lago tão calmo<br />Tão indiferente e tão necessário<br />Para quem vive nesse mundo apaixonadamente livre e sem sentidoHenrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-32795626801109549362010-12-04T19:25:00.000-08:002010-12-04T19:29:23.799-08:00Ao som de Leonard Cohen, alguns pensamentosO mundo pode ser aparentemente tão externo. Apenas coisas de fora conduzindo o humor pelo revolto mar das emoções. Sempre fui tão preocupado em aproveitar cada raio do sol, cada céu estrelado e cada forma de arte, que, de tão belos, poderiam, pensava eu não muito conscientemente, completar cada espaço da minha vida. Nem tanta beleza foi capaz de suplantar um ser que existe dentro de mim. A natureza continua bela, mas os olhos são os meus. Não há uma regra ou um jeito certo para uma música ser ouvida ou para um livro ser lido. Cada felicidade ou tristeza que sinto são, essencialmente, de minha propriedade. E é uma propriedade aberta, sem cercas ou guardas. Assim, sinto-me tão mais próximo do universo. E mais perto de mim. Conheço-me, pelo menos um pouco. Sinto-me feliz comigo mesmo, olhando pelo campo afora e sabendo que sou eu quem olha. <br /> <br />E o que há de mais pessoal e capaz de ser espalhado por aí afora do que o amor? Sendo tão ausente de mim mesmo e vendo o mundo como uma paisagem puramente externa e com sentimentos prontos para serem sentidos, perguntei-me: como podem haver tantas músicas falando de amor? Sim, pois não sendo feliz e triste como naturalmente eu poderia ser, como eu poderia realmente entender o que é o amor? Fui feliz e triste como achei que deveria ser, e não amei. Hoje sou feliz e triste de uma forma indescritível. Sou feliz e triste pelo acaso. Sou feliz e triste como alguém que acorda pela manhã e não tem nenhum plano pela frente. Alguém que pode somente acordar – ou ficar deitado, se quiser – e continuar acordado para si mesmo e para o universo. <br /> <br />Hoje ouço as mesmas canções de amor que conheci antes. Mas sendo eu feliz e triste por uma estrada sem mapa, as canções, na essência, não são as mesmas. São revelações calmas e puramente sinceras, de quem faz as coisas com o livre arbítrio, ao qual somos condenados por simplesmente sermos seres sensíveis. <br /> <br />E o disco se repete. Minha salvação não é me livrar o ciclo de felicidade e sofrimento que faz girar a humanidade. Fazer isso seria fugir ao vazio. Sinto-me livre ao admitir a minha condição de humano. Não domino sentimentos, vivo-os. Vivo. Amo. Odeio. Sou paz e guerra em mim mesmo. Porque se eu for só (falsa) paz, minha guerra será com os outros – a história mostra isso. <br /> <br />Quero me perder em um céu estrelado com o peito pleno dos sentimentos que vivi e não ter medo de virar poeira estelar.<br /><br />(Escrito ao som de Leonard Cohen)<br />05/dezembro/2010Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-15980558377806377982010-11-21T11:58:00.000-08:002010-11-21T12:08:18.888-08:00Uma Tarde de Chuva<meta equiv="CONTENT-TYPE" content="text/html; charset=utf-8"><title></title><meta name="GENERATOR" content="BrOffice.org 3.0 (Win32)"><style type="text/css"> <!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } --> </style> <div style="text-align: justify;"> </div><p class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Uma tarde vazia. O ar denso anuncia que em breve cairá a chuva, levantando o vapor dessa terra aquecida nesses dias de tempo quente. Nuvens de quilômetros de altura, escalando para um céu cada vez mais profundo, encontram-se e fazem a atmosfera falar. Logo vem água. E a tarde segue vazia e silenciosa.</p><p class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">A casa é confortável e parece dormir. Sofás aconchegantes, uma sensação de paz e um rádio velho desligado. Um gato dormindo no chão, em frente a uma lareira apagada. Não há personagens, não há individualidade. Às vezes, toda história pessoal está suspensa, e só resta o que há ao redor. Sem pensamentos, sem ansiedade, sem felicidade. Nem mesmo indiferença. Não há nada exceto o instante de infinita calma e inexorabilidade no universo que agora acontece.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Corpo relaxado, atmosfera silenciosa, vento tênue e certo, que dança de acordo com o tempo da natureza. Vento relaxado, descansado, no tempo perfeito. Balança a árvore somente o suficiente pra me causar um peso no peito, de estupefação, para me lembrar que ainda estou ali. Mas logo me perco, serenamente. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">As primeiras gotas, após um distante trovão. O gato esboça acordar, mas é levado mais uma vez ao transe por essa maré sossegada que começa a cair do céu. Água que escorre pela vidraça da sala. Na cozinha, o fogão desligado, com xícaras vazias e um bolo por comer, com a janela dando para um jardim ocupado somente pela natureza. Escorre a água. Limpa paredes, limpa janelas, limpa os seres. As gotas aumentam. É chuva forte. Poços de água na grama do jardim. A tarde fica mais escura. A consciência afunda em cada poça de água, que parecem profundas como o oceano pacífico. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Vem um vento, a chuva fica mais branda. A tarde fica mais clara. As janelas continuam com gotículas a escorrer. O ar é limpo. O mundo parece pronto para quem queira recomeçar. Dou conta de mim. Com tanta infinitude e profundidade, como posso simplesmente levantar e comer um bolo?Gestos automáticos tornam-se gestos tristes após momentos de tanta contemplação. Como posso tomar conta da minha própria vida? Começo a escrever de mim, a encontrar problemas novamente. Realmente, a chuva passou. Já ouço os barulhos do cotidiano. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">Mas sempre volta a chover.</p> Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-71366641516034076322010-04-03T19:27:00.000-07:002010-04-04T18:25:05.201-07:00Um dia de sol em um inverno<p class="MsoNormal" style="TEXT-INDENT: 35.4pt; TEXT-ALIGN: justify">Em um dia de inverno eu comi uma bergamota debaixo de uma figueira, nos arredores de um sítio ao qual fomos, meus pais e eu. Ia lá pelos fins da infância, já sentindo saudade da inebriante beleza da direta natureza das coisas, que nos próximos anos aos poucos ia-se perder em questionamentos sem fim, que me fariam recordar a tarde em que comi aquela bergamota.</p><p class="MsoNormal" style="TEXT-INDENT: 35.4pt; TEXT-ALIGN: justify">Tinha-se dado o almoço. Era domingo e tínhamos comido um churrasco. O sol mais dourado do que claro desses dias de inverno deixava a grama com um verde profundo, pois não batia assim tão forte como o faz no verão, de modo que podia-se olhar com muita placidez para as coisas, sem desviar os olhos. Iam na grama seres minúsculos, dos quais me recordo as formigas e os grilos, pois o que mais vi não encontrei depois, na minha educação, nomes correspondentes. Penso se não alucinei, ou se, na tentativa de tornar o mundo mais coerente e íntimo, não terminei por pensar que alucinei, deixando de considerar coisas que talvez ainda não tenham nome, mas que estão por aí. Recordo-me de fitar a grama, as flores, os gerivás e as araucárias, que ali abundavam. Hoje posso dizer que aquele céu de inverno era cor azul cobalto, o verde dos gerivás era verde-amarelado, enquanto das araucárias era verde-floresta. Porém, à época, só posso dizer que tudo aquilo era agradável, e que ir comer uma bergamota na sombra da figueira lá no alto da colina era a coisa mais inexorável que se possa imaginar, era uma coisa que ilustra a própria definição da palavra “inexorável”, de tão certo que era o ato. Se eu vier a escrever que toda essa cena, de alguma forma, dava sentido ao meu ser, saiba que não estarei sendo verdadeiro, porque um segundo vinha depois do outro, sem um porquê, sem eu precisar me certificar, pelas minhas emoções, que sou sensível e posso admirar e filosofar sobre o mundo. Apenas almocei, vi meus pais e seu casal de amigos irem sestear, olhei a natureza e me retirei para comer minha bergamota.</p><p class="MsoNormal" style="TEXT-INDENT: 35.4pt; TEXT-ALIGN: justify">Lembrando-me daquele dia, fica-me na memória a imagem da figueira, que eu contemplava, escorado no seu tronco, com meus cabelos balançando com o vento que também sacudia levemente os ramos pendentes daquela árvore. Agora, aqui estou eu, o ser que viveu aquele dia, que viu aquela figueira, e que agora relembra, com suas ideias de homem adulto, tudo o que se passou naquela tarde de inverno. Termino por me perguntar: “está ainda lá aquela figueira?”. Imagino-a no alto da colina, recebendo os últimos raios de um pôr-do-sol, com uma sombra a perder-se de vista. Imagino com um olhar humano algo que nesse momento o olho não vê. Dói-me a sensação que dá de ver o vento brincar com aquelas folhas, de ver os pássaros ali se aninharem, pois fico a pensar que são tudo emoções e percepções humanas. O que há entre mim e a natureza? Entre o que sinto e o indefinido que me rodeia e no qual vivo?</p><p class="MsoNormal" style="TEXT-INDENT: 35.4pt; TEXT-ALIGN: justify">Primeiro, vivia tudo com inocência e naturalidade. Após, encantava-me com os sentimentos profundos transmitidos pelo universo. Agora, desdenho minhas emoções, como inúteis diante da distância entre meu espírito e tudo o mais que há. </p><p class="MsoNormal" style="TEXT-INDENT: 35.4pt; TEXT-ALIGN: justify">A figueira pode ter sido derrubada por alguém. Assim, ela certamente não estaria mais lá, todos haveríamos de concordar, pois da maldade humana ninguém dúvida. Contudo, não sendo esse o seu fim, como podemos ter a certeza de que lá está ela, derramando em todo arredor seus verdejantes ramos, quase tocando a terra de onde surgiu, como alguém querendo reencontrar suas origens? Como saber que lá cantam os pássaros aquele som que tanto encanta? <span style="font-size:+0;"></span>Parece bobagem, e talvez seja mesmo, mas a sensação da profunda distância que as infinitas possibilidades da existência colocam entre mim e a figueira acusa que não é tanto devaneio pensar nisso. Vi-a na infância, agora vejo-a em memória, mas, eu existindo, e exisitindo a figueira, quem pode atestar sobre a verdadeira face da árvore? Se nem eu sei bem o que sou e o que penso, como posso eu definir uma figueira e uma natureza? Certamente, entre o que percebo e o universo, há tudo. </p><p class="MsoNormal" style="TEXT-INDENT: 35.4pt; TEXT-ALIGN: justify">Não sei. Não sei. Não sei. Tudo é dúvida. Apenas penduro-me por um tênue galho de certeza (quando penso tê-la) a um tronco que não sei o que significa, ou mesmo se existe. Talvez todos sejamos incertos, como galhos quebrados de um tronco que nunca vimos, caindo em direção a algo que não sabemos, e vamos caindo, devagar, contemplando o que há ao redor e pensando sobre essas coisas da vida. Depois da queda, quem sabe, germinaremos, e voltaremos a quebrar e cair. Quem sabe. É tudo dúvida. Mas que seria eu se não especulasse? Se todas as possibilidades existem, por que não procurá-las? Sinto que a irrelevância e o absurdo da existência me deixam pensar sem culpa, sem regras. Deixo-me à vontade para olhar a figueira, para recordá-la, para relembrar o canto dos pássaros, sabendo que em algum ponto de tudo o que há no universo, está aquela tarde muito clara e limpa sob os ramos da figueira. Se o universo existe e me inclui, em algum lugar meus sentimentos são verdadeiros, e, diante do indefinido infinito, meus sentimentos, e o próprio universo, podem ser qualquer coisa.</p><p class="MsoNormal" style="TEXT-INDENT: 35.4pt; TEXT-ALIGN: justify"><?xml:namespace prefix = o /><o:p></o:p></p><p><i><span style="font-family:';font-size:11;">“ (...)<span style="font-size:+0;"> </span>Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los<br />E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.<br />Sigo o fumo como uma rota própria,<br />E gozo, num momento sensitivo e competente,<br />A libertação de todas as especulações<br />E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.<o:p></o:p></span></i></p><p><i><span style="font-family:';font-size:11;">Depois deito-me para trás na cadeira<br />E continuo fumando.<br />Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando (...)”<o:p></o:p></span></i></p><p style="MARGIN-LEFT: 141.6pt"><span style="font-family:';font-size:11;">Fernando Pessoa, heterônimo Álvaro de Campos, Tabacaria<o:p></o:p></span></p>Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-47871760119373930442010-01-19T17:49:00.000-08:002010-01-19T18:07:38.888-08:00Caminhando por aí<div align="justify"> Sair à rua para caminhar, com ou sem finalidade, indo à faculdade, ao supermercado ou a lugar nenhum. Sempre fizemos isso ao longo da nossa história. Primeiro, caminhávamos atrás de alimentos ou até mesmo corríamos fugindo de predadores. Depois, caminhávamos cuidando da terra, buscando materiais para construirmos nossos monumentos e, às vezes, fazendo guerras. O tempo passou, e aí já andávamos seguindo um messias – alguns para venerá-lo e outros para matá-lo -, enquanto outros simplesmente caminhavam. Nossa história seguiu, e já caminhávamos entre feudos, sob ignorâncias, medos, maldições e doenças. Porém, alguns iam por outros caminhos, e nos fizeram andar por cidades prósperas, com novas idéias e sob menos controle. Mais alguns anos passaram, e aí homens de mundos distantes se encontravam, homens separados por oceanos, que tinham em comum, entre algumas coisas, o fato de caminharem pelos mais variados motivos. Infelizmente, a essa época muito andou-se lutando, dando uma finalidade mórbida ao universal ato de caminhar. Todavia, o mundo seguiu, e continuamos a andar por aí. Fomos às universidades, às igrejas, às fábricas, aos amigos, às montanhas, aos restaurantes, aos festivais musicais, às bibliotecas, ao museus, aos parques. Caminhamos pelo fundo do mar, pelo espaço e até mesmo pela lua. E é este mesmo caminhar que usamos para ir comprar um picolé no mercadinho da esquina. Desde que somos bípedes, sobre dois calejados pés sempre andamos. E quanta coisa passa pela nossa cabeça com um simples caminhar.<br /> Quando escrevo isso, vem-me à mente o livro “Cem Dias Entre Céu e Mar”, do Amyr Klink, o primeiro homem a cruzar a remo o oceano atlântico. Simplesmente remar, ir adiante, por alguma coisa que nos impele, alguma coisa imprecisa que não definimos, mas que, sentimos, é algo muito importante do nosso ser. Por isso, falar que o homem primitivo andava somente atrás de abrigo e alimento é certamente uma atitude reducionista, pois estamos assim negligenciando nossa própria natureza, que é a de ir atrás de algo, indefinido, mas que não nos deixa parados. Quando penso sobre essa sensação indecifrável que chama à aventura, lembro-me de ler no livro “Ensaio Sobre a Cegueira”, do José Saramago, um trecho que fala sobre “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”. Assim, caminhando, remando, simplesmente saindo do lugar e vivendo guiado por um foco de luz indefinido, vacilante, mas perfeitamente perceptível, talvez seja esse o nosso modo de irmos de encontro a algo que imaginamos e sentimos ser o nosso próprio ser. Aliás, existe uma palavra que seja sinônimo para “ser” no sentido que estamos falando aqui? Olho no dicionário e vejo “consistir” como uma boa alternativa, mas incompleta, afinal quando eu falo sobre algo que “constitui o meu ser”, pareço estar me referindo apenas a uma parte de um todo, e não ao meu ser completo. Não, não me parece haver um sinônimo para “ser”. Isso indubitavelmente tem muitas implicações.<br /> Nossa personalidade, diferentemente de algumas palavras, não pode ser substituída por outra sem perda de sentido. Por isso acho que a palavra “ser” no que se refere àquilo que somos naturalmente não encontra uma correspondente idêntica, de forma que qualquer substituição que por ventura venhamos a executar acabará distorcendo o produto final daquilo que desejamos expressar.<br /> Agora, vamos supor que aquilo que somos fosse expressado por uma outra palavra, como, por exemplo, o nexo de contradição “mas”. Os nexos encontram equivalentes perfeitos, e essa palavra pode ser substituída por “porém”, “contudo”, “todavia” e “entretanto”. “Mas” parece-nos pueril, simples demais, sendo que até uma criança em alfabetização sabe usá-lo. Enquanto isso, “todavia” é um pouco mais rebuscado, começando a aparecer nas redações do ensino médio. Assim, se somos “mas”, podemos invejar quem é “todavia”, e assim buscamos ser um nexo menos comum e aparentemente mais respeitado. Usa-se esse recurso para escrever textos, buscando nexos variados e sinônimos ou expressões diferentes para enriquecer o texto. Porém, esse tema de buscar ser um sinônimo melhor não parece restrito à redação de textos. O ser humano parece pensar que existem alternativas que se encaixam perfeitamente no seu não muito bem-visto jeito de levar a vida. Quando digo não muito bem-visto, refiro-me à insatisfação com a própria vida, e quando falo sobre buscar sinônimos perfeitos, falo em buscar maneiras de se viver fora de si, maneiras não familiares a nós, mas bastante desejadas. Contudo, não somos um nexo, somos algo único, como a palavra “ser”. Negar a própria natureza buscando um sinônimo perfeito para algo que sequer encontra equivalente é como desarranjar essa palavra, tornando-a um anagrama, do qual podemos fazer surgir as palavras “rés” ou “rês”. A primeira significa “raso”; a segunda, denota qualquer animal quadrúpede que usamos na nossa alimentação. Claramente, isso encaixa-se perfeitamente a essa discussão. Buscando uma maneira de viver não-própria, não familiar à nossa própria história, é possível estabelecer um vínculo profundo com esse ser estranho? Logo, tornamo-nos rasos. É possível ser criativo ou original agindo de forma incongruente àquilo que somos? Assim, voltamos a engatinhar sobre quatro patas, servindo para qualquer interesse que não o nosso próprio, ou seja, tornamo-nos uma rês.<br /> E o que pode ser mais humano do que caminhar e ir atrás do próprio ser? Assim caminhamos, de devaneios sobre o ato de andar ao longo da história até a busca e fuga do ser vista à luz da língua portuguesa. Sem uma linha perfeitamente traçada e uma introdução delineando todo o tema abordado fomos adiante, rumo a qualquer coisa, simplesmente andando entre palavras e pensamentos. Andar sem rumo ou ideal e pensar com associações livres parece, a mim, algo que se aproxima muito da liberdade humana.</div>Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-87815800348468302712009-12-14T16:49:00.000-08:002009-12-14T17:02:59.044-08:00A Privação e a Compulsão - Parte IEssa é apenas a reprodução de uma história frequentemente contada nos círculos de conversa que ocorrem nos "Comedores de Pele de Galinha Frita Anônimos" (CPGFA), uma organização que visa à auxiliar os portadores desse terrível e insalubre vício. É uma história sobre os meios que acabam levando a essa compulsão irremediável...<br /><br /> Tudo começou num santo almoço dominical após a tradicional missa rezada na pequena igreja do vilarejo onde Ramón, o gordo, nasceu e cresceu – e cresceu muito. Para ser mais exato, tudo começou com pele de galinha frita. <br /> Ramón, como era conhecido na época, sempre fora um rapaz religioso e introvertido. Sua conversa com as mulheres não era menos monótona do que seu tom de voz enquanto orava. Os papos iam da saúde do pároco ao tempo para a próxima semana. Se o assunto pendesse para os seus sentimentos em relação às mulheres, a reação era instantânea: tinha uma reunião marcada com o Padre Décio Vital. Se fosse buscar o pão de cada dia no boteco do outro lado da rua e um qualquer perdido no mundo o convidasse para sentar, tomar uma que “matou o guarda” e jogar um carteado, explicava que seu tempo estava ocupado com os céus e precisava ir à escola ensinar os cegos a ler a bíblia em braile. Se perguntassem a ele se participaria do jogo de futebol de natal entre os moradores da vila, dizia estar ocupado com o presépio. Afastava-se de tudo o que era dos homens imaginando estar assim alcançando o firmamento. E, claro, os compromissos terrenos que usava como desculpa para esquivar-se do mundo eram tão verdadeiros quanto o interesse das mulheres em suas conversas. <br /> Nem sempre fora religioso com tal fervor. Como todo mundo, nasceu cheio de dúvidas. Mal tinha pensado nelas quando ficou cheio de certezas, que vieram após o trauma da masturbação. Ouviu falar nela numa manhã no colégio e, chegando em casa, almoçou rapidamente e foi tentar pela primeira vez o pecado. Escondeu-se no banheiro da avó, o lugar menos frequentado da casa, que só era por ela usado para trocar as fraldas antes de dormir. Contudo, o inesperado aconteceu e naquele início de tarde a avó de Ramón quis, de forma inédita nos últimos quinze anos, limpar a dentadura após o almoço. Vinha a anciã com os lábios vacilantes e a dentadura cheia de gordura escorregando das mãos. Já nas mãos de Ramón o que escorregava era outra coisa. A velha girou a maçaneta e os seus olhos opacos pela catarata não tardaram um segundo em reconhecer a barbaridade. Deixou a dentadura cair e quebrar-se no chão ao mesmo tempo que gritou: “Cristo-Rei!”. Rapidamente a família veio acudir a idosa, que estremecia e pronunciava palavras incompreensíveis, não se fazendo entender menos pela ausência dos dentes do que pelo descomunal espanto causado pelo pecado que acabara acidentalmente de ser testemunha. De fato, não sabemos se tal choque provém da novidade ou da aversão à observação do gesto, mas, para fins práticos, a anciã do lar passou a alimentar-se de mingau, lambuzando toda a boca como se, distraída, pensasse em outra coisa enquanto comia. <br /><br />(A parte II vem em breve, apenas p/ não ficar muito extenso)Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-36565862463143743092009-09-05T21:28:00.000-07:002009-09-05T21:30:56.358-07:00Qualquer Estória em Qualquer Tempo em Qualquer LugarEra uma noite de lua cheia, tão cheia e inquiridora que não parecia lua, mas sim um olhar de ave de rapina, solitário, calculista e plácido, tudo ao mesmo tempo. As estrelas fugiam do brilho ofuscante do satélite natural terrestre, podendo só serem vistas a meio caminho entre o ápice celeste e o obscuro horizonte, que a oeste se terminava no mar distante e a leste penetrava num mundo insondável escondido por montanhas de pedras e de especulações. Aqueles que habitavam a margem oeste do rio furioso e silencioso, que trazia o encanto da serra, se perguntavam sobre o universo que haveria do outro lado das águas, que subia aos céus pelas encostas íngremes e se derramava entre picos e vales a perder de vista. Seria o inferno ou o céu que naquelas montanhas havia? O mundo dos nossos sonhos ali ocorria? Deus dali procedia? <br />Nas poucas gerações que se passaram naquele vilarejo esquecido pela história humana, sempre questionava-se o porquê de as águas do rio correrem sempre para o mar. Diante de vidas tão inconstantes marcadas por tragédias e glórias, os aldeões espantavam-se com a constância daquele curso hídrico cristalino que errava entre pedras e entre vilas de seres perdidos num mundo incerto e isolado. Naquela comunidade ribeirinha, imaginava-se que deveria haver vida humana em algum outro lugar, pois os urubus que para ali pairavam nos dias de céu azul e tórrido pareciam já ter um conhecimento prévio de como anunciar a morte, de forma que se achava que após levar a miséria a algum outro vilarejo ali estavam aquelas aves negras para disseminar um pavor silencioso que só acabava quando algum pobre coitado tinha seu cadáver cuidadosamente devorado por esses informantes da má-sorte. Não havia nenhuma evidência melhor de que haveria mais algum humano a viver por aquele mundo. <br />Agora, não viviam ali mais do que quarenta pobres almas, perdidas na incerteza geográfica e filosófica da existência. Ninguém havia pedido para nascer, não tendo ninguém qualquer plano para a vida. Simplesmente viviam, com a mesma contemplação monótona com que observavam o contínuo fluxo de água que se movia das montanhas para o mar. Aquela realidade sem sentido parecia um sonho inventado desde a primeira memória que vinha à mente, já que ninguém se lembrava do que ocorrera do nascimento até tal recordação. E, cada um com seu próprio sonho lúcido, passava os dias alheio aos outros aldeões, sendo que cada pessoa naquele lugar insólito no meio do nada parecia mais uma vila de um habitante só perdida num deserto insondável e inimaginavelmente distante de qualquer sinal de vida. Para cada situação, inventava-se um diálogo diferente, pois com o tempo não consumara-se um idioma naquele povoado. De acordo com as situações, as coisas ganhavam nomes diferentes, mudando também os seus valores. O próprio chão de terra e pedregulhos era uma coisa duvidosa, que em tempos de chuva era disputado a pedradas devido às plantas sem sabor mas que saciavam a fome que ali brotavam, enquanto em tempos de morte as famílias fugiam para as pedras mais altas ou para o interior de suas casas para evitar entrar em contato com aquela terra que era o berço final dos homens que ali tombavam e eram devorados por urubus, tendo seu corpo despedaçado e sua carne cadavérica misturada à poeira marrom seca e amarga. As coisas viviam num ciclo interminável de glória e desvalorização. As únicas coisas constantes naquele lugar eram a solidão dos seres, o isolamento do povoado e o curso do riacho.<br /><br />(Continua de qualquer jeito em outro momento)Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-71830001971234542152009-07-11T14:08:00.000-07:002009-07-11T14:14:12.003-07:00A Tristeza das CoisasUm velho brinquedo, simples, de plástico ou madeira, guardado por vinte anos nas profundezas de um esquecido baú, esquecido pela vida que seguiu e pela infância que se foi. Basta vê-lo para surgir um aperto na garganta. Dá uma vontade de chorar de tanta tristeza. Aquilo foi um mundo que já não é mais, quem sabe foi até um sonho que não vingou. O brinquedo lembra uma manhã de sábado luminosa, de início de verão, permeada por brincadeiras, imaginação e liberdade. O mundo todo era um mistério a ser descoberto e as coisas tinham a sua própria essência. <br /> <br />A manhã de sábado passou e o brinquedo, sem ninguém perceber, desapareceu. Ele ficou esperando, sem sentimento, alguém que no futuro talvez fosse resgatá-lo. Foi acumulando poeira, assim como tristeza. Não para si, mas para quem fosse pegá-lo. E ocorreu que quando alguém, décadas depois, feito um homem despedaçado, decidiu dar um fim ao ancião baú, deu-se o encontro inesperado do velho brinquedinho. Foi tanta coisa que aconteceu, muita coisa nova que uma criança inocente nem sonha, que é difícil montar um curta-metragem da vida. Porém, pensando um pouco, tudo condensado não parece superar em felicidade as brincadeiras daquela manhã em que esse pequenino objeto inanimado viveu seu esplendor. “Por quê?”, perguntava-se o soturno ser que fitava entre lágrimas aquele pequeno túnel do tempo. E, quando olhou ao redor, viu que tudo o que havia em seu mundo banhava-se no mesmo triste sentimento. Tudo estava sujeito à ação implacável do tempo. Tudo estava fadado ao esquecimento. Tudo o que montamos para vivermos nossa vida parece menos eterno do que a felicidade de se divertir com aquele anacrônico brinquedinho. As coisas, nesse transcorrer dos anos, perderam sua maior preciosidade, que é o ser individual. Agora, o homem viu que tudo o que ele via era uma extensão do seu ser. Ele aprendeu o que sentir e o que pensar quando via flores, houvia música, lia livros, conversava com amigos e amava as mulheres. E, assim, o mundo havia perdido a novidade. Hoje, ele sabe exatamente do que o brinquedo é ou não capaz. Quando criança, experimentava para saber, e, não raramente, surpreendia-se com o que o universo lhe ensinava. Sempre amou o conhecimento e sempre o buscou, mas hoje parece que o que sabe o impede de reaprender. Parece que colou em todas as coisas do mundo o mínimo que sabe sobre ele. <br /> <br />“A tristeza das coisas é a nossa própria tristeza. Ela vem quando colocamos certezas sobre o que as coisas são. Isso não quer dizer que é um pecado buscar o conhecimento. Do contrário, é a isso que dedicamos nossas vidas, desde quando nascemos. O desgosto vem da insolência do modo como tratamos as coisas, como se fôssemos os criadores do universo. O prazer da vida vem da qualidade de apreciadores e de inquiridores da natureza, de descobrirmos os seus mais preciosos segredos cheios de estupefação, assim como faz a criança quando desbrava o mundo misterioso... “, pensou o homem enquanto admirava o brinquedo e tudo o mais o que presenciava ao seu redor. Respirou fundo, sentiu a obscuridade da falta de saber e da arrogância de quem crê tê-lo por completo, e espirrou após inalar a poeira acumulada naquele ambiente, por tanto tempo posto à margem da realidade, dissipando-a da superfície do brinquedo. Percebeu como as marcas da passagem do tempo podem mexer com o ser humano e como coisas tão espontâneas quanto um espirro podem limpar a sujeira que vamos acumulando com os anos.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-57085297073229037082009-06-30T20:15:00.000-07:002009-07-02T12:45:20.641-07:00Por que "Uma História Pessoal"?Diante da infinita possibilidade de escolha para um nome para este blog, é sempre bom explicitar o que fez com que eu escolhesse esse em particular. É fácil recordarmos nossas indagações quando nos perguntamos sobre os porquês de nomes de bandas, poesias, filmes, pessoas, entre outras coisas. Nossa mente clama por conhecer as razões que fazem com que as coisas existam. Nem mesmo as palavras escapam: buscamos a origem de suas partes e os motivos pelos quais elas estão ali. Obviamente, a compreensão da etimologia das palavras nos dá segurança em relação ao seu uso e agrega qualidade ao nosso ato de escrever ou ler. Semelhantemente, saber a origem do que diz respeito às coisas da vida poderia ajudar-nos a melhorarmos nossa relação com o mundo. Então, talvez, seja interessante devanear um pouco sobre o que levou à escolha do título “Uma História Pessoal”. É bem simples, viagem pouca.<br /><br />Após regressar a Porto Alegre, após um fim de semana no interior com a família, estava eu pulando os canais da televisão procurando por algo interessante em um gélido domingo à noite. Minha expectativa era parva, não esperando encontrar nada além do típico entretenimento brasileiro: quaisquer comentários futebolísticos sobre a rodada do campeonato nacional, algum quadro no Fantástico mostrando a malandragem e a felicidade do cidadão dito “comum”, algum pastor dessas igrejas evangélicas vendendo o milagre de deus a um preço do diabo ou quem sabe algum filme clássico que começasse da seguinte maneira: “distribuição, VTI-Rio” (poderia ser também Álamo ou Herbert-Richards). De fato, a programação era bem a que eu imaginava, à exceção de uma entrevista feita por jornalistas despreparados com um brasileiro pouquíssimo conhecido chamado Miguel Nicolelis, médico neurocientista professor na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e neurofisiologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Por que ele estava sendo entrevistado? Resumidamente, o Dr. Nicolelis conseguiu transformar em código um número suficiente de potenciais de ação neuronais envolvidos no ato de um macaco pegar uma banana com um membro superior e enviar esse código sob forma de radiação eletromagnética dos Estados Unidos ao Japão, onde tal informação foi receptada por um robô que imitou o movimento do primata, ou seja, ele desenvolveu um método que pode “ler” e reproduzir um comando cerebral. Era muito aprazível, então, a presença desse cidadão brasileiro na televisão de domingo à noite. Ia-se desenrolando a entrevista, quando o cientista foi questionado sobre sua opinião acerca da existência de deus. Como é difícil defender uma posição com argumentos racionais em relação a algo que não se percebe com os sentidos ou com a ajuda da tecnologia, ele limitou-se a dizer que não acreditava, lançando, após, um raio de luz nessa turbulenta temática com uma opinião bem interessante: <span style="font-weight: bold;">o mundo, e a nossa vida, nada mais são do que uma história a nós contada pelo nosso próprio cérebro</span>, e, já que toda história tem um começo, pode ter sido conveniente para nossas fragilidades colocar a figura de um pai criador que de tudo é consciente como um motivo primeiro para tudo isso que presenciamos acontecer. Fiquei com isso na cabeça. Comecei a imaginar minha vida como um livro escrito diariamente, cujas páginas tentam pôr ordem ao caos do universo, fazendo-me perceber as pessoas e suas atitudes e a natureza e seus fenômenos como objetos que situam-se em algum lugar próximo ao centro do meu ser, ou seja, a vida é como ela precisa parecer para que eu viva com algum conforto. Isso de forma alguma tira o encanto do viver, como pode parecer. O que parece mais claro é que devemos ficar atentos em relação a quão equivocados podemos estar em relação a alguma percepção, por mais confortadora que ela nos pareça – isso é importante quando queremos difundir nosso saber. Porém, como mecanismo de auto-defesa, essa concepção nos dá idéia do quanto podemos cair em intermináveis devaneios, apenas para melhorarmos as coisas para nós – o que, como escrito no texto anterior (“Psiquiatria Cosmológica”), pode resultar em fatos muito positivos para toda a humanidade, como uma música, um livro ou uma descoberta científica de impacto. Não é aterrorizante pensar que somos um filtro para o que os sentidos têm a capacidade de perceber, afinal nosso cérebro constitui nosso ser, logo temos a capacidade de regular esse filtro. Este não limita o alcance do que podemos conhecer, apenas organiza de uma forma inteligível e emocionalmente viável.<br /><br />Então, esse blog é apenas minha visão pessoal do mundo, pois não há algo que me possa fazer ir além disso. Queria eu ter empatia suficiente para entender o mundo dos amigos, dos familiares, dos pacientes, mas o máximo que me parece possível alcançar é um reconhecimento de que minha visão das coisas é apenas aquela que aprendi a estruturar para minha personalidade não se desintegrar, podendo, a partir daí, abrir de forma gradual e eterna enquanto durar minha vida – para jamais abrir por completo - as pesadas portas da percepção.Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8488142599131065483.post-2493965068999603212009-06-29T21:11:00.000-07:002009-07-02T12:51:48.888-07:00Psiquiatria Cosmológica<meta equiv="CONTENT-TYPE" content="text/html; charset=utf-8"><title></title><meta name="GENERATOR" content="BrOffice.org 3.0 (Win32)"><style type="text/css"> <!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } --> </style> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm;" align="justify">Não raramente, encontro-me olhando para as estrelas e para os invisíveis mundos que nelas erram em trajetória elíptica tentando minimizar meus problemas aqui na Terra. Esse universo misterioso, com quase incontáveis sóis formando quase incontáveis galáxias, cada qual separada da vizinha mais próxima por um vazio intransponível por qualquer meio conhecido a ponto de ter suas maravilhas relatada para uma próxima geração, gera uma contemplação que parece reduzir a importância da nossa existência – ao menos, nossa insignificância racionalizada nos parece capaz de atenuar nossas ansiedades. Não sei se todos tentam aliviar suas tensões olhando para o céu, mas é universal a presença dos problemas nas nossas vidas, cada um lidando com eles à sua maneira.</p><p class="western" style="margin-bottom: 0cm;" align="justify">Parece óbvio que não há mínima comparação possível entre um prazo estreito para estudar para uma prova aparentemente difícil na faculdade ou entre um momento financeiramente adversos e o tamanho desse universo que conhecemos. Só como exercício, podemos atrever-nos a fazer algumas pouco justas comparações: o que significa estudar muito para tirar a melhor nota ou ganhar o melhor salário entre os colegas conhecidos de profissão se levarmos em conta um sistema solar assombrosamente enorme, com um sol que é somente um entre cem bilhões em apenas uma galáxia, que contribui com uma unidade para um total de cem bilhões de galáxias em nosso universo observável? Isso aparentemente deveria sanar nossas angústias, mas nem sempre funciona. De fato, parece que nossa percepção e capacidade de contemplação com maravilhamento daquilo que observamos é ofuscada pelas nossas emoções. Planejamos surpreender-nos com o cosmos, mas o que nos faz buscar esse belo sentimento de pequenez bloqueia o sucesso de nossa empreitada. O homem parece, pois, preso na percepção involuntária do mundo desencadeada pelo seu afeto. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm;" align="justify"> À primeira vista, parece claro que o melhor a se fazer para evitarmos esse problema seria cuidarmos com muito esmero dos nossos atos, dos nossos momentos de lazer e da forma como encaramos nosso aprendizado, tudo para evitar emoções desagradáveis. Assim, não teríamos uma cognição presa pelas correntes da subjetividade dos sentimentos humanos. Porém, pela mesma lógica não teríamos um porquê para olhar para o céu querendo aliviar o peso de importância que possuem nossos problemas, afinal tudo sempre estaria em paz. Parece claro que o impulso humano de olhar um pouquinho adiante ao nosso ordinário mundo cotidiano nasce de uma preocupação muitas vezes egoísta e individual, um problema meramente pessoal, mas que simplesmente o ato de buscar um significado maior para o fenômeno da vida e menor para os nossos demônios internos pode fazer brotar coisas de grande valor para toda a humanidade. Imagino Charles Darwin navegando pelos oceanos, Michael Faraday em noites acordado no laboratório, Wilhelm Röntgen encantando-se com os raios-x em um dia de inverno, Albert Einstein saindo do escritório de patentes em Berna imaginando-se viajando ao lado de um raio de luz ou Villa-Lobos compondo uma Bachiana após um dia navegando por algum afluente perdido do Rio Amazonas, todos buscando algo que valesse mais a pena do que as pequenas ansiedades do dia-a-dia e que confortasse a eterna calma tristeza de se saber apenas um humano. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm;" align="justify"> Eu escrevo isso porque há pouco estava vendo as estrelas aparecerem após ventos fortes e contínuos carregarem para longe as nuvens que cobriram o céu pelo dia inteiro. Não era só a presença desses sóis que eu buscava, era, antes de tudo, um motivo para não sucumbir às pressões da vida profissional, um meio para dar luz àquilo que talvez haja de mais precioso em nossa relação com o mundo e com as pessoas: o encanto com o universo que percebemos e o sentimento de empatia e solidariedade que temos com os outros quando percebemos que estamos na mesma situação, vivos sem algum motivo especial e buscando uma explicação para esse absurdo, mesmo que de eficácia parcial. E, de fato, as soluções são fugazes. Por exemplo, posso agora ver um valor no conteúdo deste texto ou simplesmente no ato de escrevê-lo, mas amanhã posso lê-lo ao acordar e não descartá-lo somente por que eu próprio o escrevi. Não importa agora, afinal o que vale é que hoje dormirei melhor. </p> Henrique Mohrhttp://www.blogger.com/profile/01906409087593955473noreply@blogger.com3