segunda-feira, 29 de junho de 2009

Psiquiatria Cosmológica

Não raramente, encontro-me olhando para as estrelas e para os invisíveis mundos que nelas erram em trajetória elíptica tentando minimizar meus problemas aqui na Terra. Esse universo misterioso, com quase incontáveis sóis formando quase incontáveis galáxias, cada qual separada da vizinha mais próxima por um vazio intransponível por qualquer meio conhecido a ponto de ter suas maravilhas relatada para uma próxima geração, gera uma contemplação que parece reduzir a importância da nossa existência – ao menos, nossa insignificância racionalizada nos parece capaz de atenuar nossas ansiedades. Não sei se todos tentam aliviar suas tensões olhando para o céu, mas é universal a presença dos problemas nas nossas vidas, cada um lidando com eles à sua maneira.

Parece óbvio que não há mínima comparação possível entre um prazo estreito para estudar para uma prova aparentemente difícil na faculdade ou entre um momento financeiramente adversos e o tamanho desse universo que conhecemos. Só como exercício, podemos atrever-nos a fazer algumas pouco justas comparações: o que significa estudar muito para tirar a melhor nota ou ganhar o melhor salário entre os colegas conhecidos de profissão se levarmos em conta um sistema solar assombrosamente enorme, com um sol que é somente um entre cem bilhões em apenas uma galáxia, que contribui com uma unidade para um total de cem bilhões de galáxias em nosso universo observável? Isso aparentemente deveria sanar nossas angústias, mas nem sempre funciona. De fato, parece que nossa percepção e capacidade de contemplação com maravilhamento daquilo que observamos é ofuscada pelas nossas emoções. Planejamos surpreender-nos com o cosmos, mas o que nos faz buscar esse belo sentimento de pequenez bloqueia o sucesso de nossa empreitada. O homem parece, pois, preso na percepção involuntária do mundo desencadeada pelo seu afeto.

À primeira vista, parece claro que o melhor a se fazer para evitarmos esse problema seria cuidarmos com muito esmero dos nossos atos, dos nossos momentos de lazer e da forma como encaramos nosso aprendizado, tudo para evitar emoções desagradáveis. Assim, não teríamos uma cognição presa pelas correntes da subjetividade dos sentimentos humanos. Porém, pela mesma lógica não teríamos um porquê para olhar para o céu querendo aliviar o peso de importância que possuem nossos problemas, afinal tudo sempre estaria em paz. Parece claro que o impulso humano de olhar um pouquinho adiante ao nosso ordinário mundo cotidiano nasce de uma preocupação muitas vezes egoísta e individual, um problema meramente pessoal, mas que simplesmente o ato de buscar um significado maior para o fenômeno da vida e menor para os nossos demônios internos pode fazer brotar coisas de grande valor para toda a humanidade. Imagino Charles Darwin navegando pelos oceanos, Michael Faraday em noites acordado no laboratório, Wilhelm Röntgen encantando-se com os raios-x em um dia de inverno, Albert Einstein saindo do escritório de patentes em Berna imaginando-se viajando ao lado de um raio de luz ou Villa-Lobos compondo uma Bachiana após um dia navegando por algum afluente perdido do Rio Amazonas, todos buscando algo que valesse mais a pena do que as pequenas ansiedades do dia-a-dia e que confortasse a eterna calma tristeza de se saber apenas um humano.

Eu escrevo isso porque há pouco estava vendo as estrelas aparecerem após ventos fortes e contínuos carregarem para longe as nuvens que cobriram o céu pelo dia inteiro. Não era só a presença desses sóis que eu buscava, era, antes de tudo, um motivo para não sucumbir às pressões da vida profissional, um meio para dar luz àquilo que talvez haja de mais precioso em nossa relação com o mundo e com as pessoas: o encanto com o universo que percebemos e o sentimento de empatia e solidariedade que temos com os outros quando percebemos que estamos na mesma situação, vivos sem algum motivo especial e buscando uma explicação para esse absurdo, mesmo que de eficácia parcial. E, de fato, as soluções são fugazes. Por exemplo, posso agora ver um valor no conteúdo deste texto ou simplesmente no ato de escrevê-lo, mas amanhã posso lê-lo ao acordar e não descartá-lo somente por que eu próprio o escrevi. Não importa agora, afinal o que vale é que hoje dormirei melhor.

3 comentários:

  1. Me sinto meio idiota escrevendo qualquer coisa, porque sinto que estarei sendo sempre disléxico depois dessa "redondeza" toda aí das tuas palavras.

    Uma das coisas que me motivam a dar alento ao blog é o comentário de quem o lê, já que o objetivo principal - no meu caso - é fazer com que os bits tenham um destinatário. Por isso venho aqui te dar o mesmo incentivo, porque vale o esforço.

    Muito Bom. Divulgue. Sejamos os spams e vírus da boa informação útil.

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  2. Legal Rique! Congratulations! Um abraço. Bela

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  3. O que vc escreve é bárbaro! A gente só se dá conta da grandeza quando aprendemos a usar nossos sentidos, e acho que os temos para perceber e contemplar quão bela é nossa existência, permeada por dor, prazer, solidão e amor. Obrigado pela ajuda!

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