terça-feira, 30 de junho de 2009

Por que "Uma História Pessoal"?

Diante da infinita possibilidade de escolha para um nome para este blog, é sempre bom explicitar o que fez com que eu escolhesse esse em particular. É fácil recordarmos nossas indagações quando nos perguntamos sobre os porquês de nomes de bandas, poesias, filmes, pessoas, entre outras coisas. Nossa mente clama por conhecer as razões que fazem com que as coisas existam. Nem mesmo as palavras escapam: buscamos a origem de suas partes e os motivos pelos quais elas estão ali. Obviamente, a compreensão da etimologia das palavras nos dá segurança em relação ao seu uso e agrega qualidade ao nosso ato de escrever ou ler. Semelhantemente, saber a origem do que diz respeito às coisas da vida poderia ajudar-nos a melhorarmos nossa relação com o mundo. Então, talvez, seja interessante devanear um pouco sobre o que levou à escolha do título “Uma História Pessoal”. É bem simples, viagem pouca.

Após regressar a Porto Alegre, após um fim de semana no interior com a família, estava eu pulando os canais da televisão procurando por algo interessante em um gélido domingo à noite. Minha expectativa era parva, não esperando encontrar nada além do típico entretenimento brasileiro: quaisquer comentários futebolísticos sobre a rodada do campeonato nacional, algum quadro no Fantástico mostrando a malandragem e a felicidade do cidadão dito “comum”, algum pastor dessas igrejas evangélicas vendendo o milagre de deus a um preço do diabo ou quem sabe algum filme clássico que começasse da seguinte maneira: “distribuição, VTI-Rio” (poderia ser também Álamo ou Herbert-Richards). De fato, a programação era bem a que eu imaginava, à exceção de uma entrevista feita por jornalistas despreparados com um brasileiro pouquíssimo conhecido chamado Miguel Nicolelis, médico neurocientista professor na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e neurofisiologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Por que ele estava sendo entrevistado? Resumidamente, o Dr. Nicolelis conseguiu transformar em código um número suficiente de potenciais de ação neuronais envolvidos no ato de um macaco pegar uma banana com um membro superior e enviar esse código sob forma de radiação eletromagnética dos Estados Unidos ao Japão, onde tal informação foi receptada por um robô que imitou o movimento do primata, ou seja, ele desenvolveu um método que pode “ler” e reproduzir um comando cerebral. Era muito aprazível, então, a presença desse cidadão brasileiro na televisão de domingo à noite. Ia-se desenrolando a entrevista, quando o cientista foi questionado sobre sua opinião acerca da existência de deus. Como é difícil defender uma posição com argumentos racionais em relação a algo que não se percebe com os sentidos ou com a ajuda da tecnologia, ele limitou-se a dizer que não acreditava, lançando, após, um raio de luz nessa turbulenta temática com uma opinião bem interessante: o mundo, e a nossa vida, nada mais são do que uma história a nós contada pelo nosso próprio cérebro, e, já que toda história tem um começo, pode ter sido conveniente para nossas fragilidades colocar a figura de um pai criador que de tudo é consciente como um motivo primeiro para tudo isso que presenciamos acontecer. Fiquei com isso na cabeça. Comecei a imaginar minha vida como um livro escrito diariamente, cujas páginas tentam pôr ordem ao caos do universo, fazendo-me perceber as pessoas e suas atitudes e a natureza e seus fenômenos como objetos que situam-se em algum lugar próximo ao centro do meu ser, ou seja, a vida é como ela precisa parecer para que eu viva com algum conforto. Isso de forma alguma tira o encanto do viver, como pode parecer. O que parece mais claro é que devemos ficar atentos em relação a quão equivocados podemos estar em relação a alguma percepção, por mais confortadora que ela nos pareça – isso é importante quando queremos difundir nosso saber. Porém, como mecanismo de auto-defesa, essa concepção nos dá idéia do quanto podemos cair em intermináveis devaneios, apenas para melhorarmos as coisas para nós – o que, como escrito no texto anterior (“Psiquiatria Cosmológica”), pode resultar em fatos muito positivos para toda a humanidade, como uma música, um livro ou uma descoberta científica de impacto. Não é aterrorizante pensar que somos um filtro para o que os sentidos têm a capacidade de perceber, afinal nosso cérebro constitui nosso ser, logo temos a capacidade de regular esse filtro. Este não limita o alcance do que podemos conhecer, apenas organiza de uma forma inteligível e emocionalmente viável.

Então, esse blog é apenas minha visão pessoal do mundo, pois não há algo que me possa fazer ir além disso. Queria eu ter empatia suficiente para entender o mundo dos amigos, dos familiares, dos pacientes, mas o máximo que me parece possível alcançar é um reconhecimento de que minha visão das coisas é apenas aquela que aprendi a estruturar para minha personalidade não se desintegrar, podendo, a partir daí, abrir de forma gradual e eterna enquanto durar minha vida – para jamais abrir por completo - as pesadas portas da percepção.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Psiquiatria Cosmológica

Não raramente, encontro-me olhando para as estrelas e para os invisíveis mundos que nelas erram em trajetória elíptica tentando minimizar meus problemas aqui na Terra. Esse universo misterioso, com quase incontáveis sóis formando quase incontáveis galáxias, cada qual separada da vizinha mais próxima por um vazio intransponível por qualquer meio conhecido a ponto de ter suas maravilhas relatada para uma próxima geração, gera uma contemplação que parece reduzir a importância da nossa existência – ao menos, nossa insignificância racionalizada nos parece capaz de atenuar nossas ansiedades. Não sei se todos tentam aliviar suas tensões olhando para o céu, mas é universal a presença dos problemas nas nossas vidas, cada um lidando com eles à sua maneira.

Parece óbvio que não há mínima comparação possível entre um prazo estreito para estudar para uma prova aparentemente difícil na faculdade ou entre um momento financeiramente adversos e o tamanho desse universo que conhecemos. Só como exercício, podemos atrever-nos a fazer algumas pouco justas comparações: o que significa estudar muito para tirar a melhor nota ou ganhar o melhor salário entre os colegas conhecidos de profissão se levarmos em conta um sistema solar assombrosamente enorme, com um sol que é somente um entre cem bilhões em apenas uma galáxia, que contribui com uma unidade para um total de cem bilhões de galáxias em nosso universo observável? Isso aparentemente deveria sanar nossas angústias, mas nem sempre funciona. De fato, parece que nossa percepção e capacidade de contemplação com maravilhamento daquilo que observamos é ofuscada pelas nossas emoções. Planejamos surpreender-nos com o cosmos, mas o que nos faz buscar esse belo sentimento de pequenez bloqueia o sucesso de nossa empreitada. O homem parece, pois, preso na percepção involuntária do mundo desencadeada pelo seu afeto.

À primeira vista, parece claro que o melhor a se fazer para evitarmos esse problema seria cuidarmos com muito esmero dos nossos atos, dos nossos momentos de lazer e da forma como encaramos nosso aprendizado, tudo para evitar emoções desagradáveis. Assim, não teríamos uma cognição presa pelas correntes da subjetividade dos sentimentos humanos. Porém, pela mesma lógica não teríamos um porquê para olhar para o céu querendo aliviar o peso de importância que possuem nossos problemas, afinal tudo sempre estaria em paz. Parece claro que o impulso humano de olhar um pouquinho adiante ao nosso ordinário mundo cotidiano nasce de uma preocupação muitas vezes egoísta e individual, um problema meramente pessoal, mas que simplesmente o ato de buscar um significado maior para o fenômeno da vida e menor para os nossos demônios internos pode fazer brotar coisas de grande valor para toda a humanidade. Imagino Charles Darwin navegando pelos oceanos, Michael Faraday em noites acordado no laboratório, Wilhelm Röntgen encantando-se com os raios-x em um dia de inverno, Albert Einstein saindo do escritório de patentes em Berna imaginando-se viajando ao lado de um raio de luz ou Villa-Lobos compondo uma Bachiana após um dia navegando por algum afluente perdido do Rio Amazonas, todos buscando algo que valesse mais a pena do que as pequenas ansiedades do dia-a-dia e que confortasse a eterna calma tristeza de se saber apenas um humano.

Eu escrevo isso porque há pouco estava vendo as estrelas aparecerem após ventos fortes e contínuos carregarem para longe as nuvens que cobriram o céu pelo dia inteiro. Não era só a presença desses sóis que eu buscava, era, antes de tudo, um motivo para não sucumbir às pressões da vida profissional, um meio para dar luz àquilo que talvez haja de mais precioso em nossa relação com o mundo e com as pessoas: o encanto com o universo que percebemos e o sentimento de empatia e solidariedade que temos com os outros quando percebemos que estamos na mesma situação, vivos sem algum motivo especial e buscando uma explicação para esse absurdo, mesmo que de eficácia parcial. E, de fato, as soluções são fugazes. Por exemplo, posso agora ver um valor no conteúdo deste texto ou simplesmente no ato de escrevê-lo, mas amanhã posso lê-lo ao acordar e não descartá-lo somente por que eu próprio o escrevi. Não importa agora, afinal o que vale é que hoje dormirei melhor.