sábado, 11 de julho de 2009

A Tristeza das Coisas

Um velho brinquedo, simples, de plástico ou madeira, guardado por vinte anos nas profundezas de um esquecido baú, esquecido pela vida que seguiu e pela infância que se foi. Basta vê-lo para surgir um aperto na garganta. Dá uma vontade de chorar de tanta tristeza. Aquilo foi um mundo que já não é mais, quem sabe foi até um sonho que não vingou. O brinquedo lembra uma manhã de sábado luminosa, de início de verão, permeada por brincadeiras, imaginação e liberdade. O mundo todo era um mistério a ser descoberto e as coisas tinham a sua própria essência.

A manhã de sábado passou e o brinquedo, sem ninguém perceber, desapareceu. Ele ficou esperando, sem sentimento, alguém que no futuro talvez fosse resgatá-lo. Foi acumulando poeira, assim como tristeza. Não para si, mas para quem fosse pegá-lo. E ocorreu que quando alguém, décadas depois, feito um homem despedaçado, decidiu dar um fim ao ancião baú, deu-se o encontro inesperado do velho brinquedinho. Foi tanta coisa que aconteceu, muita coisa nova que uma criança inocente nem sonha, que é difícil montar um curta-metragem da vida. Porém, pensando um pouco, tudo condensado não parece superar em felicidade as brincadeiras daquela manhã em que esse pequenino objeto inanimado viveu seu esplendor. “Por quê?”, perguntava-se o soturno ser que fitava entre lágrimas aquele pequeno túnel do tempo. E, quando olhou ao redor, viu que tudo o que havia em seu mundo banhava-se no mesmo triste sentimento. Tudo estava sujeito à ação implacável do tempo. Tudo estava fadado ao esquecimento. Tudo o que montamos para vivermos nossa vida parece menos eterno do que a felicidade de se divertir com aquele anacrônico brinquedinho. As coisas, nesse transcorrer dos anos, perderam sua maior preciosidade, que é o ser individual. Agora, o homem viu que tudo o que ele via era uma extensão do seu ser. Ele aprendeu o que sentir e o que pensar quando via flores, houvia música, lia livros, conversava com amigos e amava as mulheres. E, assim, o mundo havia perdido a novidade. Hoje, ele sabe exatamente do que o brinquedo é ou não capaz. Quando criança, experimentava para saber, e, não raramente, surpreendia-se com o que o universo lhe ensinava. Sempre amou o conhecimento e sempre o buscou, mas hoje parece que o que sabe o impede de reaprender. Parece que colou em todas as coisas do mundo o mínimo que sabe sobre ele.

“A tristeza das coisas é a nossa própria tristeza. Ela vem quando colocamos certezas sobre o que as coisas são. Isso não quer dizer que é um pecado buscar o conhecimento. Do contrário, é a isso que dedicamos nossas vidas, desde quando nascemos. O desgosto vem da insolência do modo como tratamos as coisas, como se fôssemos os criadores do universo. O prazer da vida vem da qualidade de apreciadores e de inquiridores da natureza, de descobrirmos os seus mais preciosos segredos cheios de estupefação, assim como faz a criança quando desbrava o mundo misterioso... “, pensou o homem enquanto admirava o brinquedo e tudo o mais o que presenciava ao seu redor. Respirou fundo, sentiu a obscuridade da falta de saber e da arrogância de quem crê tê-lo por completo, e espirrou após inalar a poeira acumulada naquele ambiente, por tanto tempo posto à margem da realidade, dissipando-a da superfície do brinquedo. Percebeu como as marcas da passagem do tempo podem mexer com o ser humano e como coisas tão espontâneas quanto um espirro podem limpar a sujeira que vamos acumulando com os anos.

3 comentários:

  1. show de conhecimento e sensibilidade!

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  2. "E, assim, o mundo havia perdido a novidade".
    Fabuloso. Como deixamos nos aprisionar nos padrões, nas frases feitas, no fluxo da rotina. E como esquecemos que este fenômeno acontece!

    Cara, arte é arte, difícil, às, vezes, de discernir - já conversamos sobre isso.
    O que tu escreves sempre me traz idéias novas (ou esquecidas) e, como o resto do que tenho lido, preenche espaços e traz alguns insights e epifanias.
    Gosto de te ler, piá.

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