quarta-feira, 20 de abril de 2011

Papel em Branco


Escrever, penso, tem o potencial de ser uma auto-análise. Verbalizar dúvidas e sentimentos e evoluir frase a frase em um pensamento terminam, de alguma forma, por nos aproximar de algo que não definimos bem o que é, mas que claramente nos deixa mais íntimos de nossas tragédias e felicidades. Porém, hoje, tive uma ideia um pouco diferente sobre a escrita e a terapia. Ei-la: não é necessário chegar ao texto consumado, bastando, para a terapêutica da mente, o papel em branco em frente aos olhos.
Essas linhas em branco, flexíveis a qualquer pensamento, desprovidas de julgamento, que ganham vida a cada nova letra ali inserida, são a porta de entrada à nossa auto-percepção. Hoje quis escrever, sem saber exatamente o quê. Para ser sincero, não fazia a menor ideia de qual assunto abordar. Apenas queria pensar e passar isso às palavras. Porém, como sempre, entre mim e o texto elaborado, surgiu, antes que qualquer temática surgisse em minha mente, aquela folha branca. Inicialmente, pareceu-me um pouco intimidadora. Ver esse papel vazio e perceber que minha mente não tinha nenhum mísero assunto para explorar causaram-me, num primeiro momento, uma perplexidade ante a dissociação entre a vontade de escrever e a total falta de um plano ou, quem sabe, talento para tal. É como ser criança e se estar louco para jogar futebol, tendo à frente um gramado perfeito, mas, contudo, não há bola para ser chutada. E ali fica o gramado, vazio, servindo só para que os olhos das crianças fiquem a imaginar jogadas inimagináveis. É o palco para a fantasia, para o desabrochar dos mais sinceros sonhos e vontades. E eu aqui, com a folha em branco, mas sem um tópico. Aqui, o palco é o papel. Palco para mim, para os meus devaneios. De repente, a música vai rolando, a madrugada vai chegando, a noite vai silenciando, e aquela folha vazia fica cheia de vida e sentido. Quando dou-me conta, está acontecendo a minha auto-análise. Bastou aquele papel baldio para um fluxo de pensamentos iniciasse a sua errática trajetória. Apenas pensamentos, sem uma finalidade definida, que, se primeiramente queriam ser direcionados para a palavra escrita, terminaram por não ser mais do que simples pensamentos.
O texto terminado e coeso não é mais do que uma consequência, o resultado de se ter um gramado receptivo às nossas mais íntimas fantasias de jogadas de craque. A melhor sensação que resulta disso tudo é que simplesmente tive abertura para dar uma circulada entre a minha complicada e misteriosa cabeça. Tudo acontece, antes de tudo, com a folha em branco, com aquele momento que antecede a decisão, quando qualquer coisa pode passar pela mente. E o papel vazio é o convite para a reflexão, para que saiamos do coma e da automaticidade dos afazeres diários para adentrar nos insondáveis e improváveis caminhos do espírito.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Como anda a vida?


Na maior parte do tempo, a vida passa de forma tão despercebida que parece que não temos nenhuma ação sobre o desenrolar dos fatos. Aí, de repente, nos damos conta do óbvio: as coisas estão acontecendo. Ou, num tom mais pessimista, mas chegando ao mesmo fim: a morte inevitavelmente vai acontecer. Tanto faz a abordagem, o que quero dizer é que levamos quase um susto quando nasce a percepção da passagem do tempo. Então vem a questão, que, infelizmente, acho que nem todos enxergam: tem valido a pena esse tempo? Ou, pelo menos, está ele sendo razoavelmente bem vivido?
A questão de aproveitar a própria vida fez crescer, no transcorrer da história da humanidade, definições daquilo que seria uma vida virtuosa. Penso que o fim de boa parte das religiões é estabelecer um caminho mais ou menos racionalizado para que almas teoricamente perdidas possam alcançar algum tipo de redenção espiritual, muitas vezes difícil de ser atingido pelo meio individual. Daí nascem as privações, os rituais, a moralidade, a noção de certo e de errado, a dualidade do bem o do mal. Culturas particulares criam meios próprios para estabelecer dentro do seu meio o que caracteriza uma vida que vale a pena ser vivida. Dentro de algumas religiões, como a católica, encontramos uma ideia de buscar uma vida virtuosa para um observador, no caso, Deus. Penso que, consequentemente, perde-se aquilo que é de maior valor quando buscamos a satisfação com nossa própria história, que é justamente a auto-crítica. Vive-se de acordo com a própria liberdade ou para um observador externo que, como um pai, aprova ou não os nossos atos? Não é a por acaso que nasce uma nova sensação de bem-estar e novo auto-conhecimento quando saímos dos nossos tenros lares para morarmos sozinhos em uma cidade distante. Semelhantemente, quem sabe contar e recontar a própria história sem um “editor” dando pareceres sobre o nosso roteiro não possa desencadear uma sensação parecida com essa do adeus ao âmago familiar? Isso não implica, penso eu, na descrença em relação a Deus ou o quer que seja. É apenas a mudança da visão de um universo opressor e julgador para uma vivência em que temos participação nos acontecimentos. Mais do que isso, uma vivência em que nos sentimos ligados à complexa teia da existência.
Das definições acerca do que seria uma vida vivida cheia de plenitude a satisfação gosto daquela escrita pelo filósofo e matemático inglês Bertrand Russell, que assim escreveu: “uma vida virtuosa é aquela inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento”. Amor e conhecimento, duas coisas muito pessoais, capazes de serem alcançadas em maior intensidade somente com a sinceridade em relação aos próprios sentimentos. Inevitavelmente, para uma vida inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento, precisamos de auto-consciência. Precisamos de abertura para as emoções e de liberdade de pensamento, algo difícil de ser atingido com aquele ideal de buscar a redenção perante algum deus.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Poema da Distância



As coisas que sinto e as palavras que saem da boca
São como um céu com nuvens carregadas
Que sabia que precisava fazer chover
Mas passou de maneira silenciosa por esse lugar.
E as palavras certas
Como a chuva certa
Não jorram
E passam flutuando por entre a névoa dentro de mim.

Estou olhando o campo
E ao longe vejo uma árvore
Menos distante do que minha voz
Separada da minha alma.
Até a árvore posso caminhar
Sigo em linha reta pela pastagem
Mas para encontrar o que sinto
Não encontro trilha tão óbvia.

Não é um campo que me separa
Não são passos que preciso dar
A distância não pode ser medida
Não pode ser percorrida
Mas pode ser sentida.
E há um belo e profundo mundo ao redor
Pessoas, natureza, tristeza, amor
Tenho vontade de dizer o quanto gosto do que gosto
Tenho vontade de dizer o quanto me afeto pela tristeza
E por mais que tente chegar nessa ponto
A palavra sai sempre menor do que aquilo que ela representa.

Não são essas palavras aqui
Mais do que uma tentativa
De eu tentar me abrir plenamente para o que amo
De eu tentar chegar no porquê da minha angústia.
São incertas essas palavras
Tortas como esses galhos da árvore que antes eu contemplava de longe
E que agora vejo de muito perto.
Caminhei até aqui.
Pelo menos fica o testemunho escrito
Do meu caso de amor com tanta coisa nesse mundo
E da minha tristeza também (porque ela também há)
E das palavras que faltam pra eu dizer isso.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vento das Onze

O relógio vai se aproximando da meia noite e a rua já está completamente silenciosa – de barulhos humanos. Apenas o vento quente que sopra a essas horas do dia faz as folhas das árvores farfalharem. Eu, sozinho, deitado em meu sofá, apenas com um abajur de luz amarela aceso, lentamente absorvendo um encantador vinho tinto enquanto sinto o regozijo mais do que justo de quem acabou de ouvir “Rhapsody in Blue”, de George Gershwin, e sentiu a música em sua plenitude. Agora, o silêncio – da alma. O barulho do vento só empurra a mente cotidiana para mais longe, não sendo exatamente um som em si. Antes, apenas suspende o dia-a-dia ordinário, varrendo-o para um lugar distante, fazendo brotar em mim a serenidade de um espírito vazio e cheio de contemplação por esse momento nessa noite calma.
De repente, uma pergunta: como foi o primeiro vento? Em que planície, montanha ou deserto ocorreu? O que mudou? Já existiam planícies, montanhas ou desertos quando o primeiro vento soprou? Já havia algo para ser mudado?
Sinto um peso no peito. Que pergunta simples, triste e, ao mesmo tempo, maravilhosa! Simples pelo vento que sempre vem, triste pela solidão de soprar no vazio e maravilhosa por levar tudo ao desconhecido. Não sei as respostas para tais perguntas, mas, estando com a mente suspensa nesta noite incerta, ofereço-me o direito da imaginação.
Não consigo definir exatamente quem sou, o que penso e o que virei a ser. Porém, poder imaginar como foi o primeiro vento faz com que essas perguntas não tenham muita importância. Sinto que estou aqui deitado nessa noite de verão pelo mesmo motivo que o primeiro vento soprou: para ir até qualquer coisa. Essa incerteza, que pode ser chamada de liberdade, deixa-me imaginar como foi o primeiro vento, e deixa-me ficar tranquilo por não ter uma resposta sobre qual é o meu caminho.
Não sei como essa noite vai terminar. Por hora, estou apenas deitado. E assim vou ficar mais um pouquinho. A maior verdade sobre mim é que não há verdade dita ou pensada sobre mim. E, por vezes, eu mesmo tento alguma definição ao meu respeito, mas então vejo que isso é puro medo. Nesses momentos, estou apenas tentando ser alguma coisa qualquer quando me deparo com as infinitas possibilidades de ser e de sentir qualquer coisa, tentando ser algo estático, definido e eterno, que ilusoriamente me pouparia da angústia e do amor absurdamente grandiosos que permeiam o universo. E, quando estou deitado, sereno e em paz, sinto-me completo não sendo necessariamente alguma coisa que eu penso ser. Sinto-me capaz para ser levado para qualquer lugar.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Fluxo


Escrevi o texto abaixo num momento de muito bem estar interior, num momento em que não tinha nada pra reclamar. Então, eu escrevi qualquer coisa para ver o que iria acontecer. Acabei falando sobre o fluxo das emoções por um método de fluxo de pensamento. Então, às vezes há uma mudança um pouco brusca de abordagem de um parágrafo para o outro (afinal, o pensamento não é linear). Espero que, pelo menos, seja compreensível...
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E quando não se tem nada a dizer? E quando tudo parece resolvido?

A tristeza, a solidão, a indignação e, sobretudo, a subjetividade são quem suportam, muitas vezes, a criação artística. Não são sentimentos desesperadores, mas poderiam sê-lo se não fossem extravasados pela literatura ou pela música, por exemplo. Expô-los misturados à arte torna-os contemplativos e naturais, à medida que a internalização dessas questões pode trazer o isolamento, que consigo traz a paranoia e a ausência de resolução desses sentimentos.
Mas quem sente essas coisas, por certos momentos também se sente feliz, completo e satisfeito até com as pequenas coisas da vida. Sentir-se triste ou feliz em um campo da vida tem um efeito dominó em todo o resto, de forma que não é incomum convivermos ou com o desamparo ou com a mais completa satisfação e segurança na própria vida. Se tudo está complicado e tende-se ao isolamento, o refúgio artístico nos liga novamente ao mundo e à segurança do próprio ser. Se tudo está bem, parece que nos inclinamos a simplesmente ouvir um bom som, tomar um vinho apreciável e se deliciar com tudo o que está ao redor. A vida flutua entre esses dois estados de espírito, de forma tão natural como um pescador que sobe o rio para pescar e que naturalmente deverá descer a correnteza para reencontrar sua casa e sua família. Porém, esse pescador pode sofrer um acidente de percurso. Por exemplo, e se o barco virar?
Às vezes, ficamos enclausurados em algum tipo de humor. A tristeza nos prende contra a vontade. Da (suposta) felicidade não queremos fugir. Mas por que coloco sob suspeita a mais convicta sensação de bem estar? Justamente por muitas vezes felicidade não significar felicidade em si, mas, sim, antes significa abdicar do risco de ser plenamente feliz para não correr o risco de passar por algum momento de tristeza. Por isso, estar enclausurado na “felicidade” pode ser uma coisa pouco desejável. E, por isso também, levar porrada da vida algumas vezes não é de todo indesejável. Só quem não aceita o inevitável fluxo das emoções pode pensar que estou fazendo propaganda em favor de sentimentos de melancolia (quem sabe eu esteja sendo pago por uma indústria farmacêutica que faz remédios anti-depressivos...). Existe diagnóstico psiquiátrico pra depressão. Às vezes, eu acho que deveria existir diagnóstico também para aqueles que dizem que são sempre felizes e que tudo é sempre perfeito em suas vidas.
Fernando Pessoa, ao escrever “Poema em Linha Reta”, iniciou o poema da seguinte forma:

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campões em tudo.”

Mas o que define alguém como “campeão”? Admiração, sucesso profissional, riqueza, uma mulher linda? Não cabe julgar os caminhos da felicidade de cada um, mas, no geral, buscamos, através dos mais variados meios, uma sensação de plenitude, uma sensação que se aproxime daquilo que vagamente definimos como felicidade. Então, se o que, no final, buscamos é um sentimento, acho que o maior campeão é aquele que é minimamente sincero e conhece pelo menos um pouco os misteriosos caminhos das próprias emoções. Por isso, para mim, o campeão verdadeiro é o Fernando Pessoa, que, a despeito de tanta porrada, escreveu “Poema em Linha Reta”, entre tantos outros.
Tem um ditado alemão, muito duro até, que diz o seguinte:

“Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho”.

Precisa dizer mais alguma coisa? Sim, as cordas vocais de quem criou esse ditado devem ter esquecido como se faz o som da palavra “amor”, mas obviamente quem faz muita questão de ser percebido e de ter sua suposta felicidade anunciada aos quatro ventos seguramente tem pouca intimidade com as bases que fundamentam essa emoção.
A questão que se impõe é se vale a pena corrermos o risco de conviver com a melancolia ou se a estabilidade (acho que, neste caso, é um termo melhor do que “felicidade”) deve ser mantida para evitarmos a tristeza? Acho que quem lê isso pode ter a sensação de ter respostas óbvias para essa questão (e acho que para os dois lados). Para alguns, todo sentimento de infelicidade é primariamente inadequado; para outros, a tristeza é um caminho natural para quem persegue o bem estar de espírito.
Para mim, fugir das “porradas” da vida não implica em abandonar o sofrimento. Quem tenta isso, penso eu, torna-se menos íntimo de si. Apesar de buscar a felicidade, não acho que fugir da tristeza seja um bom meio para isso. Também deliberadamente buscar a melancolia não acho particularmente uma atitude louvável. Agora que termino de escrever isso aqui começa a tocar no som “No Expectations”, dos Rolling Stones.

“Take me to the station
And put me on a train
I've got no expectations
To pass through here again

Once I was a rich man and
Now I am so poor
But never in my sweet short life
Have I felt like this before...”

Acho que é um bom final. Sem muitos planos sólidos e determinantes da nossa felicidade. Apenas no subir e descer do pescador. Um dia o barco acaba inevitavelmente virando. Enquanto isso, a paisagem é rica, o rio é desconhecidamente profundo, as margens são incompletamente exploradas. Navegar de uma só forma exclui o rio da riqueza da paisagem.

http://www.youtube.com/results?search_query=no%20expectations&search=Search&sa=X&oi=spell&resnum=0&spell=1
Link para a música "No Expectations", dos Rolling Stones...

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010


No parque há um banco feito de madeira
Que fica de frente para um lago
Passa o tempo e a madeira gasta
E o que o banco ouve o tempo não muda

Vidas que vem e que vão
E o banco apenas dá conforto
A quem esteja precisando ficar no parque de frente para o lago
Vidas que vem e que vão
O banco envelhece
Mas as pessoas são sempre as mesmas

O banco não é mais sábio por estar sempre ali
Mesmo com madeira envelhecida
Porque o ser humano se repete
Cada vez que senta ali para refletir
São as mesmas histórias

Tudo se repete
Mas sempre é tão intenso
O banco ouve a mesma história
Como se fosse a primeira vez

Hoje eu penso num amor perdido
Hoje é a minha história de amor perdido
Quantas antes neste banco não houve?
Mas é a minha história
E o banco é tão confortável como nunca antes fora

Milagroso? Não.
Minha história é de amor perdido
Perdido
Mas o banco fez com que essa história
Ficasse mais humana
Contemplando o lago sentado na madeira
Sinto a vida acontecendo

Sopra um vento muito leve
Fim de tarde chegando
Levanto-me
Apaixonado, rompido, esmagado
Mas humano
E o tempo passa
Quantas vezes vou voltar a esse banco?
Quem sabe pra pensar no amor
No absurdo da existência
E voltarão outras pessoas
Com sentimentos tão sinceros quanto os meus
Pra sentar no mesmo banco
E ver esse lago tão calmo
Tão indiferente e tão necessário
Para quem vive nesse mundo apaixonadamente livre e sem sentido

sábado, 4 de dezembro de 2010

Ao som de Leonard Cohen, alguns pensamentos

O mundo pode ser aparentemente tão externo. Apenas coisas de fora conduzindo o humor pelo revolto mar das emoções. Sempre fui tão preocupado em aproveitar cada raio do sol, cada céu estrelado e cada forma de arte, que, de tão belos, poderiam, pensava eu não muito conscientemente, completar cada espaço da minha vida. Nem tanta beleza foi capaz de suplantar um ser que existe dentro de mim. A natureza continua bela, mas os olhos são os meus. Não há uma regra ou um jeito certo para uma música ser ouvida ou para um livro ser lido. Cada felicidade ou tristeza que sinto são, essencialmente, de minha propriedade. E é uma propriedade aberta, sem cercas ou guardas. Assim, sinto-me tão mais próximo do universo. E mais perto de mim. Conheço-me, pelo menos um pouco. Sinto-me feliz comigo mesmo, olhando pelo campo afora e sabendo que sou eu quem olha.

E o que há de mais pessoal e capaz de ser espalhado por aí afora do que o amor? Sendo tão ausente de mim mesmo e vendo o mundo como uma paisagem puramente externa e com sentimentos prontos para serem sentidos, perguntei-me: como podem haver tantas músicas falando de amor? Sim, pois não sendo feliz e triste como naturalmente eu poderia ser, como eu poderia realmente entender o que é o amor? Fui feliz e triste como achei que deveria ser, e não amei. Hoje sou feliz e triste de uma forma indescritível. Sou feliz e triste pelo acaso. Sou feliz e triste como alguém que acorda pela manhã e não tem nenhum plano pela frente. Alguém que pode somente acordar – ou ficar deitado, se quiser – e continuar acordado para si mesmo e para o universo.

Hoje ouço as mesmas canções de amor que conheci antes. Mas sendo eu feliz e triste por uma estrada sem mapa, as canções, na essência, não são as mesmas. São revelações calmas e puramente sinceras, de quem faz as coisas com o livre arbítrio, ao qual somos condenados por simplesmente sermos seres sensíveis.

E o disco se repete. Minha salvação não é me livrar o ciclo de felicidade e sofrimento que faz girar a humanidade. Fazer isso seria fugir ao vazio. Sinto-me livre ao admitir a minha condição de humano. Não domino sentimentos, vivo-os. Vivo. Amo. Odeio. Sou paz e guerra em mim mesmo. Porque se eu for só (falsa) paz, minha guerra será com os outros – a história mostra isso.

Quero me perder em um céu estrelado com o peito pleno dos sentimentos que vivi e não ter medo de virar poeira estelar.

(Escrito ao som de Leonard Cohen)
05/dezembro/2010